Entre um e outro, o cronista escolherá aquele que convier ao seu estado de espírito, alegre ou triste, e tentará escrever um texto que desperte ao menos em três ou quatro moradores desta cidade áspera um sentimento igual ao dos melhores anos da infância.
O cronista poderá fazer o passarinho novo descobrir uma nota imprevistamente bela nos seus gorjeios ou um melhor modo de flutuar. E poderá pedir ao sol que brilhe um pouco mais fortemente sobre o galho onde o passarinho velho estiver encolhido de frio.
Tudo isso o cronista fará de tal forma que os leitores pensem que, se fossem escrever sobre um passarinho, novo ou velho, escreveriam exatamente igual.
Um cuidado que o cronista há de ter será o de não introduzir na história um gato, por mais gracioso que seja. Gatos e passarinhos costumam ser incompatíveis, talvez por uns invejarem a beleza dos outros.
Outra cautela que se recomenda ao cronista é não se alongar demais no texto. Em São Paulo vive gente apressada que não dispõe de tempo para uma história de passarinho. Gente que compreenderá, talvez, se o cronista disser simplesmente que era uma vez um passarinho e deixar o resto da história aos cuidados de cada um dos leitores.
Ou quem sabe o preferível seja o cronista, esquecendo a recomendação de não deixar entrar no texto um gato, permitir que ele entre e ocupe espaço suficiente para devorar o passarinho. Uma criança, se ler a história, é possível que chore. Mas os leitores, de modo geral, verão nessa hipótese a mais realista para uma cidade seca e objetiva como a nossa.
Resumindo: São Paulo não é certamente o melhor lugar para falar de passarinhos – e também não, provavelmente, para falar de gatos.
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