segunda-feira, outubro 23

Che Guevara, um leitor compulsivo em plena selva

Ernesto Che Guevara lê enquanto se recupera dos ferimentos na Sierra Maestra, em 1957; lê em seu gabinete no ministério da Indústria cubano e em sua casa de Havana, no início dos anos 1960; com sua segunda mulher, Aleida March, em 1966 na Tanzânia depois do fracasso da ofensiva guerrilheira no Congo; na copa de uma árvore na Bolívia, meses antes de ser capturado e assassinado, em outubro de 1967. As fotografias que integram a mostra Che Leitor na Biblioteca Nacional argentina refletem uma faceta do revolucionário argentino que, apesar de ofuscada pelo homem de ação, esteve presente ao longo de toda sua experiência de vida, desde a infância até os últimos dias.

Nascido em uma família de boa situação financeira, Che aprendeu a ler em casa, graças a sua mãe, já que a asma o impedia de ir à escola. Desde criança foi um leitor voraz, conforme lembra seu irmão Roberto, que conta que passava horas trancado no banheiro para não ser interrompido. Seus primeiros escritores favoritos foram Júlio Verne e Emilio Salgari, autores de romances de aventuras que “já mostravam certo espírito de sair explorando”, diz Emiliano Ruiz Díaz, um dos pesquisadores que organizaram a exposição, inaugurada na terça-feira.

Ernesto ‘Che’ Guevara lendo no Congo em 1965.
A esses romances iniciais logo se somou tudo o que encontrava a seu redor, como os 23 volumes da enciclopédia de História universal que estavam na biblioteca da família, biografias de pensadores e escritores e livros de filosofia e psicanálise citados no Caderno filosófico que começou a escrever na adolescência. A partir de suas viagens pela América Latina incluiu livros sobre os países que conhecia e começou a aproximar-se do marxismo e da teoria econômica. Três das vitrines da mostra são dedicadas a livros fundamentais para Che, entre os quais figuram O Capital, de Karl Marx; o Manual de Economia Política, da Academia de Ciências da URSS; e o Tratado de Economia Marxista, de Ernest Mandel.

“Em Havana, toda quintas-feira, lá pelas 2, 3 da madrugada, ele se reunia com um professor espanhol formado na URSS para ler e discutir esses livros”, conta Santiago Allende, outro dos pesquisadores por trás da exposição. “Às vezes Fidel (Castro) também participava e aconteciam discussões muito fortes. Mais tarde, Che teve suas divergências com o modelo soviético, divergências que o levavam a continuar lendo, a se aprofundar em sua busca”, acrescenta.
Charutos e livros

“Minhas duas fraquezas fundamentais: o tabaco e a leitura”, confessou Che em seu diário do Congo. A figura habitual do leitor sedentário e solitário contrasta com a do guerrilheiro em constante marcha e rodeado de companheiros. Mas nem nos momentos mais difíceis conseguiu abandonar o vício. “A leitura persiste como um resto do passado, em meio à experiência de ação pura, de despojamento e violência, na guerrilha, no campo. Guevara lê no interior da experiência, faz uma pausa”, deixou escrito Ricardo Piglia em sua descrição de Che como O Último Leitor.

Era um leitor compulsivo e metódico. Desde os 17 anos costumava anotar em cadernos os títulos das obras que consultava. Em seu plano de leituras da Bolívia, entre novembro de 1966 e setembro de 1967, anotou 60 títulos, entre eles O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista, de Georg Lukács e História da Revolução Russa I, de Leon Trotski.

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