domingo, outubro 22

Assim começa o livro...

Aos 15 anos eu tive hepatite. A doença começou no outono e terminou na primavera. Quanto mais frio e escuro o velho ano se tornava, mais fraco eu ficava. Só com o novo ano houve uma melhora. Janeiro foi quente, e minha mãe instalou minha cama na varanda. Eu via o céu, o sol, as nuvens e ouvia as crianças brincando no pátio. Numa tarde de fevereiro ouvi um melro cantando.

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Em meu primeiro passeio andei da Blumenstrasse, na qual morávamos no segundo andar de um prédio imponente construído na virada do século, até a Bahnhofstrasse. Foi ali que eu tinha vomitado, numa segunda-feira de outubro, no caminho da escola para casa. Já havia alguns dias que eu estava fraco, mais fraco do que nunca em minha vida. Cada passo me exigia um grande esforço. Quando subia escadas em casa ou na escola, minhas pernas quase não me aguentavam. Também não queria comer. Mesmo quando me sentava à mesa com fome, logo sentia náuseas. De manhã acordava com a boca seca e com a sensação de que os meus órgãos estavam pesados e fora de lugar. 


Envergonhava-me estar tão fraco. Envergonhei-me especialmente quando vomitei. Isso também nunca havia acontecido comigo. Minha boca se encheu, eu tentei segurar, apertando os lábios, a mão diante da boca, mas tudo saiu por entre os dedos. Então me apoiei no muro de uma casa, olhando o que tinha vomitado a meus pés, e cuspi um líquido claro e pegajoso. 

A mulher que cuidou de mim o fez de um jeito quase bruto. Ela pegou meu braço e me levou pela porta escura da casa até o pátio. Havia varais esticados de janela a janela e roupas penduradas. No pátio armazenava-se madeira; numa oficina aberta, a serra rangia e as farpas voavam. Ao lado da porta para o pátio havia uma torneira. A mulher abriu a torneira, lavou primeiro a minha mão e então jogou no meu rosto a água que tinha mantido nas mãos em concha. Enxuguei o rosto com o lenço.

– Pegue o outro! – Ao lado da torneira estavam dois baldes, ela apanhou um deles e o encheu. Eu apanhei e enchi o outro e a segui pela porta. Ela levantou o braço, a água jorrou na calçada levando o vômito para o ralo. Tirou o balde da minha mão e lançou mais água sobre a calçada.

Ela se endireitou e viu que eu estava chorando.

– Menino – disse admirada –, menino.

Ela me envolveu nos braços. Eu era pouco mais alto do que ela, senti seus seios no meu peito, cheirei na estreiteza do abraço meu hálito ruim e seu suor fresco e não sabia o que devia fazer com os braços. Parei de chorar.

Perguntou-me onde eu morava, pôs os baldes na entrada e me levou para casa. Andou ao meu lado, uma das mãos segurando a minha pasta e a outra sobre o meu braço. A distância da Bahnhofstrasse até a Blumenstrasse não é grande. Ela andava depressa e com uma decisão que me ajudava a manter o passo. À frente de nossa casa despediu-se.

No mesmo dia minha mãe trouxe o médico, que diagnosticou a hepatite. Em algum momento contei à minha mãe sobre a mulher. Não acredito que a teria visitado se não fosse isso. Mas para minha mãe era evidente que eu, logo que pudesse, iria comprar com meu dinheiro um buquê de flores,
apresentar-me e agradecer. Desse modo, fui no fim de fevereiro à Bahnhofstrasse.

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