Houve um tempo em que quase nada se falava sobre formação de leitores e bibliotecas. Na passagem de século XX para o XXI, felizmente, o tema começou a marcar presença na agenda do País. Nos primeiros anos timidamente e pouco a pouco foi ganhando mais e mais expressão. Mal saído do ostracismo, não demorou para que o avanço da mídia digital fizesse com que se começasse a duvidar da relevância da… bem, biblioteca.
Escrevi alguns artigos sobre isso. Como se diz, quando não sabemos bem para onde ir, qualquer caminho serve.
A biblioteca escolar é o principal lugar de acesso aos livros para 64% de crianças e jovens (Retratos da Leitura, 2015). Além disso, uma pesquisa conduzida pelo pesquisador Ricardo Paes de Barros com 53 bibliotecas abertas à comunidade implantadas pelo Instituto Ecofuturo mostra a elevação de 156% do progresso natural de aprovação escolar e redução de 46% na taxa de abandono escolar em regiões que possuem bibliotecas quando comparadas com aquelas que não contam com uma.
A busca pela efetividade deste direito, a universalização de bibliotecas em escolas, é a pauta da Campanha Eu Quero Minha Biblioteca, que pesquisa e divulga informações sobre como a administração pública pode criar e manter política pública de biblioteca nas escolas por meio de recursos públicos destinados à educação e recursos do orçamento dos municípios e Estados.
Leis só saem do papel e os direitos só se efetivam se houver recurso. De outra forma, são só “letra morta”, como se costuma dizer.
A campanha promove o chamamento da sociedade civil para conhecer a existência desses recursos, os caminhos concretos de incidência e a importância e responsabilidade que têm para efetivar leis e direitos pelas mesmas razões: a gestão pública se mobiliza na medida em que grupos organizados de cidadãos atuam e cobram as políticas públicas.
A ação política é a dimensão da ação humana que concretiza nossos sonhos por um mundo melhor aqui e agora.
Segundo censo de 2015 realizado pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, são 6.102 bibliotecas públicas municipais, distritais, estaduais e federais, nos 26 estados e no Distrito Federal. Somos 207,7 milhões de habitantes. Então, numa conta de matemática básica, chegamos a uma biblioteca pública para cada 34 mil habitantes!
Sim, “biblio” significa livros e “teca” significa depósito/guarda. Talvez por isso tantos se enganem tanto considerando Biblioteca conjuntos de livros guardados e trasladados em canoa, moto, táxi, bicicleta, mala, caixa, jeri, carro, ônibus, trem, caminhão, carroça e outros recursos que se movam; ou fixados em pontos de ônibus, açougue, padaria, canto, esquina, espaços em geral. Só que não. São ações importantes para viabilizar acesso gratuito aos livros.
Mas é preciso mais, muito mais. E é importante não confundir essas ações com Bibliotecas Comunitárias, sediadas em diversas localidades Brasil adentro, que configuram ação voluntária da sociedade civil e realizam um trabalho estruturado, primoroso e valioso para a formação leitora e escritora no País. Neste sentido, vale conhecer a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias.
Apesar do paradoxo, é necessário reconhecer que uma biblioteca que, para ser de todos, ignora o esforço que ler exige e concentra-se em fazer fácil e óbvia a leitura não será lugar de encontro com a cultura, a arte e o conhecimento. Não será uma biblioteca. Sei do incômodo que pode trazer tal posicionamento, principalmente porque sugere uma perspectiva excludente e elitista, ainda que não o seja. A inclusão está em a gente ter o poder de dizer, pensar, criar. A exclusão ocorre quando se mantém o mundo – e as pessoas que são nele – na distração, no engodo e na ignorância”, descreve o Prof. Luiz Percival Leme Britto no livro No lugar da Leitura, biblioteca e formação, disponível para download gratuito no site do Movimento por um Brasil Literário.
O desenvolvimento de comportamento leitor depende, certamente, de uma diversidade de fatores, dentre os quais se insere existir sólida política pública de bibliotecas abertas à comunidade, promovendo práticas leitoras dirigidas e diversificadas, planejadas e realizadas por bibliotecários e professores, nas próprias bibliotecas e fora delas; sendo uma biblioteca em escola, deve estar integrada ao projeto político pedagógico da escola.
Bibliotecas onde trabalhem profissionais que reconhecem o valor do texto escrito. Bibliotecas com profissionais que sejam leitores de fato, que apoiem a jornada leitora de seus frequentadores, que ponham leitores em contato com outros leitores, que ofereçam leitura de obras que transcendem o lugar e o senso comum.
Bibliotecas onde circulam leituras que nos instiguem a indagar a vida, que ampliam nossos horizontes de pensamento para muito além das superficialidades que trafegam pelas mídias, sempre tão carregadas de ódio movido a preconceitos.
Bibliotecas empenhadas em ativar pela leitura a razão intelectual e a razão sensível, condição sine qua non para pensarmos e atuarmos em favor da vida digna e de qualidade para todos; que nos alimentem de referências e encantamento para promover o mínimo de dano e o máximo de bem. Porque o melhor lugar do mundo é aqui e agora, no chão que a gente pisa.
Bibliotecas com leituras de qualidade para todos. Bibliotecas à mão cheia, parafraseando Castro Alves: “Oh! Bendito o que semeia / Livros à mão cheia / E manda o povo pensar! O livro, caindo n’alma / É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar!”
Até lá não devemos descansar. Até lá e começando agora podemos nos dirigir aos deputados e deputadas, vereadores e vereadoras em quem votamos para fazer incluir Bibliotecas no PPA – Plano Plurianual, que é um instrumento da gestão pública que definirá as prioridades de 2018 até 2021; bem como a LOA – Lei Orçamentária do Município para 2018: ambos estão nas Câmaras Legislativas de estados e municípios para apreciação e validação dos parlamentares até o final deste ano. Saiba mais no vídeo abaixo.
Não abrimos mão do direito, abrimos caminho.
Christine Castilho Fontelles
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