Não gostava de emitir opinião sobre algum fato grave que abalava a cidade pequena. Não se encaixava com o seu jeito de homem reservado, mais para escutar, não gostava de se meter na vida dos outros. Tinha só que se preocupar com o seu trabalho diário na venda. Acostumara-se desde pequeno a ver a vida como uma viagem em que tudo acontecia porque tinha de acontecer mesmo. O destino era quem comandava os passos de cada vivente na estrada da vida, como certa vez lhe dissera o avô Bertino, um de cara de índio. Do passado, a gente deve só lembrar as boas, as amargas nunca. Viver, sim, o presente, que o futuro ninguém tem controle, completou o avô, o rosto sereno, de quem sabia das coisas, como se fosse uma espécie de filósofo popular, acumulado de lições proveitosa que a vida lhe ofertava sem nada cobrar.
Saltou um brilho dos olhos miúdos do Bevenuto quando Cidália acordou toda alegre naquele dia de domingo. Nossa Senhora Perpétua do Socorro atendera finalmente seus rogos, com vela acesa e reza do peito contrito, durante a semana. Antes de sair para a missa, noticiou ao marido que ultimamente estava com uma fome indomável, tinha vontade de comer até pedra, um enjoo esquisito, vomitava em segredo. Resolveu ir ao posto popular do bairro para consultar o médico. Soube dele que estava grávida. Melhor presente ele não podia ter recebido da Cidália, já na segunda-feira atendera aos fregueses num jeito tão falante como ainda não tinha acontecido.
Mais surpreso ficaria quando tomou conhecimento que a mulherzinha iria ter gêmeos. Que presentão, que notícia supimpa! Ah, a vida, gostava de fazer certas brincadeiras de bom gosto ou com asneiras, que deixam o vivente lambuzado de contente ou como um herói abatido, conforme o desfecho. Ainda bem que agora ela apareceu de bom grado para o lado dele. Iria satisfazer em definitivo o desejo de ser pai. Só não ficou mais satisfeito quando soube depois que a Cidália teve uma parição de quatro meninos. Com rendimentos modestíssimos que a venda fornecia, a vida, que já não era fácil, de agora em diante ia ser um suplício. Como iria se arranjar para alimentar e educar quatro filhos? Cidália recebeu a ajuda da Irmandade Senhoras de Caridade, que recolheu donativos entre os comerciantes e moradores das ruas principais da cidade. As contribuições deram para comprar o enxoval das quatro crianças e o leite em pó durante o primeiro ano. Outras contribuições vieram de pessoas que moravam na rua onde Benvindo mantinha a sua venda. Ajudaram na feira semanal, durante certo tempo.
Em casa com apreensões e muxoxos. Na venda tinha de ser compreensivo e sorridente com certos fregueses. Precisava manter a freguesia, mais que nunca. Curiosos, alguns dos fregueses queriam conferir de perto se a notícia era verdadeira. Aquela mulher magrinha, de estatura baixa, tivera mesmo quatro meninos duma só barriga? Durante a gestação, a barriga pequena nem parecia suficiente para ter um filho quanto mais quatro num só despejo, o de boca desdentada observava, junto do balcão. Tratava-se de verdadeira heroína! – outro dizia admirado, o mais afoito entre os três, que conversavam animados. Todo sorridente, pediu mais um copo de cachaça para comemorar o feito da mulherinha incrível.
Os quatro meninos foram batizados com os nomes de Geraldino, Genolino, Natalino e Nivaldino. Quando se tornaram rapazes, já dispostos para o esforço da vida, vivendo do suor do corpo, dois disseram ao pai que tinham escolhido como profissão para sobreviver a atividade mecânico de carro, os outros preferiram o ofício de eletricista. Assumiam suas atividades na semana, no domingo destacavam-se como jogador de futebol na liga amadora da cidade. Defendiam a camisa azul da aguerrida equipe do Janízaros Futebol Clube. Eram atacantes rápidos e com algum recurso técnico. Quando um deles fazia um gol, o difícil para a torcida era saber quem fora o autor da proeza. Nivaldino, Natalino, Geraldino ou Genolino?
Cyro de Mattos
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