Há quem reclame do calendário cristão que dedica um dia aos mortos, para lembrá-los e, em alguns casos, para chorá-los. Civilizações inteiras, construídas em torno da memória e até mesmo do culto aos mortos, tiveram momentos de poder e glória. Todas as religiões prolongam esse culto que foi a base de antigas civilizações como a caldeia e a egípcia.
Mesmo uma religião voltada para a vida, como a judaica, tem no respeito aos mortos um dos alicerces de sua força milenar. Daí que o Dia de Finados é até mesmo um pleonasmo. Todos os dias o são.
Ligo a TV e vejo um desfile de mortos, Kennedy prometendo chegar à Lua, Ingrid Bergman pedindo para Sam tocar "As time goes by", o casal Curie fazendo experiências, Tom Jobim fumando charuto, o papa Pio 12 visitando um bairro de Roma atingido pelas bombas, Coco Chanel fazendo caras e bocas, Garrincha driblando uns joões na Suécia.
Se ligo o som, ouço a voz de Jean Sablon ou de Maria Callas, de Elvis Presley ou de Silvinha Telles, vozes que não mais existem, e tantas, e que tanto marcaram a vida de tantos, a minha inclusive.
Bem, fiquemos nos livros, que são mais prestativos e nossos. Ler Faulkner ou Flaubert, Pessoa ou Eliot, Zé Lins ou Sartre -para onde meus olhos vão, nas estantes que forrei de volumes durante tantos anos, encontro nomes queridos, que muito me deram e nada me roubaram.
Uns melhores do que outros mas todos com um ponto em comum: estão mortos, dormindo profundamente como naquele poema de Bandeira, outro morto, por sinal.
Não concordo em que os mortos governam os vivos. Potencialmente, todos seremos mortos. Mas sempre me inquietei com o futuro, perguntava à minha mãe se quando crescesse poderia fazer isso ou aquilo. Ela dizia que sim, tudo era uma questão de tempo.
Acho que "crescer" talvez não seja boa coisa. De qualquer forma, no Dia de Finados prefiro mesmo estar com os vivos. Tenho o resto do ano para pensar nos mortos.
Carlos Heitor Cony
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