O acaso, escreve Antonio Muñoz Molina numa interessantíssima crônica do El Pais, é uma espécie de bibliotecário cego e altamente eficiente, que não pára de lhe oferecer novidades surpreendentes às quais nunca teria chegado através do algoritmo da Amazon que, sendo a sua curiosidade “variada e caprichosa”, fica tão confuso com as suas buscas que acaba por sugerir-lhe uma coisa qualquer sem critério e, normalmente, desinteressante. O acaso, por seu turno, nunca se engana – Muñoz Molina chama-lhe um bibliotecário anárquico que não vai na conversa da moda nem obedece a temas atuais e que tem como aliados os quiosques de rua que vendem livros e as livrarias de livros em segunda mão (refere-se a Manhattan, pois é lá que ensina – e conta que os alunos nunca dão por estas preciosidades que custam, no máximo, cinco dólares, pois vão sempre agarrados aos telemóveis). E a seguir diz que, numa feirinha que existe aos sábados na rua lateral à Livraria Bertrand do Chiado, em Lisboa, encontrou uma antologia de textos de Michaux numa edição da Gallimard que decidiu comprar e que, embora antes não tivesse qualquer intenção de ler Michaux, o Michaux impôs-se-lhe e mudou o rumo das suas leituras. O mesmo aconteceu com outro livro comprado na rua a caminho da inauguração de uma exposição; chegou atrasadíssimo e viu-a em vinte minutos, a correr, e aborrecido de morte. Mas no regresso a casa, de autocarro, consolou-se com o livrinho que tinha comprado... num desses quiosques do acaso.
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