Um poema com homem, jornal, cão e sofá. Uma cena comum que se desenrola enquanto os personagens do mundo se matam.
***
Louis-Auguste Cézanne |
Como toda manhã
sentado no sofá
Como toda manhã
o cão espera
ao lado do sofá
O mundo de sempre está
no jornal esta manhã –
os mesmos fatos
as mesmas disputas
entre as mesmas facções rivais
os mesmos estupros e assassinatos
hediondos todos
alguns mais
O cachorro sabe que logo
o homem fechará o jornal
e como toda manhã
irá providenciar sua ração
É sempre assim mas hoje não –
o tempo corre e o cão
começa a se tornar impaciente
ameaça gemer
mas o homem não se move
O jornal continua aberto em suas mãos
desliza agora um pouco para o colo
e é como se o homem
lendo uma notícia boa afinal
tivesse se concedido
dormir um pouco
reconciliar-se com o mundo
como se já não houvesse
estupros assassinatos
peste fome
suplícios danação
jovens vozes caladas por balas
porque ousaram
colocar a esperança
entre as palavras
de sua canção
Como se o mundo
fosse só um homem
cochilando no sofá
observado pela fome
agora aflita do cão.
Raul Drewnick
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