terça-feira, abril 24

Assim começa o livro...

As crianças comeram cedo e desabaram antes das oito; uma no sofá, outra na rede, uma terceira no colo da mãe, e a última, excepcionalmente, na própria cama. Nos adultos o cansaço demorou mais a bater, as deserções só começando depois do jantar. O sítio havia feito jus a tudo que eu prometera; sol, piscina, muita comida, muita bebida e, para fechar o primeiro dia, no cair da tarde, um passeio à beira do rio.

“Eu que falei para o seu pai”, contou Roberto pela milésima vez, futucando o chão coberto de folhas com a bengala. “Quando vi essas árvores, esse verde, e o rio…”, ele respirou com força no meio da frase, absorvendo a paisagem, depois correu os dedos pelo bigode branco, “você tem que comprar.”

Desde pequeno eu ouvia essa história, e Laura, minha mulher, àquela altura da nossa vida em comum, com certeza estava cansada de conhecê-la também (ainda a ouviríamos outra vez até o fim da noite). Pelos olhares que trocamos, algo semelhante acontecia com os filhos de Roberto.

Havia tempos que não juntávamos tanta gente no sítio. Após a morte dos meus pais, os tradicionais feriados de casa lotada fi caram meio sem sentido. Ou melhor, passaram a depender só de mim e da minha mulher, e tínhamos tanta preguiça dessas grandes produções—megassupermercados, mapas, comboios, quartos entupidos de colchonetes para as crianças dos convidados… 

Nossos dois primeiros fi lhos eram agora jovens adultos, e, quando a caçula nasceu, comigo bem pra lá dos quarenta, o sítio havia se transformado num lugar mais pacato, de puro descanso.

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