sábado, abril 21

Escrever para quê?

São curiosos os escritores. Dizem que nasceram para escrever, que não se imaginam fazendo nada além de escrever, que vivem para escrever. Mas como se queixam: ah, que cansaço é escrever, que tortura, que suplício, que desgraça. Dá pena ouvi-los. Somos tentados a nos oferecer para escrever por eles. Melhor não. Não há ninguém como um escritor para defender tão bravamente seu papel de vítima.
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No início, quando a literatura em nós é ainda só um projeto, nós nos dizemos, como incentivo: escrever, escrever, escrever. No meio do caminho, nossa voz já não é tão resoluta: escrever, escrever. E, no fim, como náufragos jogados ao mar, insistimos ainda, mais como uma súplica do que como uma esperança: escrever.

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O escritor novato, quando atinge o estágio de escrever bem, descobre que é aí que o verdadeiro trabalho começa. É hora de esquecer o advérbio bem e aprender a escrever, só escrever. Escrever bem é habitualmente sinônimo de ser maçante. O jovem escritor há de desconfiar da facilidade. Quando se fala de uma obra de arte, dificilmente a primeira isca lançada trará o melhor resultado. Na literatura, como em tudo na vida, há de haver algo amargo, doído, uma escavação que deixe ao menos um pouco de sangue à mostra nos dedos.

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Comparado a outras atividades, o ato de escrever me parece quase uma distração. Invejo os lavradores, que tiram frutos da terra, e, entre os artistas, admiro os pintores e os escultores, que mexem com substâncias, com coisas tangíveis, que as transformam. Os escritores mexem em quê? Respondo por mim: em nuvens, em abstrações.

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Minha ideia, há algum tempo, era escrever menos, para escrever melhor. Agora é parar de vez, para não escrever pior ainda.

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E chega um dia em que escrever é só escrever. Você não está mais ali, a alma também não. É uma transação da qual participam apenas a sua caneta e o seu bloquinho. Nesse dia, você deve aceitar a imposição do tempo e dizer ao menino, que por acaso tem os seus olhos e o mesmo nome, que é hora de desistir, embora ele olhe para você com o ressentimento dos traídos.

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Há muitos modos de ser um escritor. O melhor eu não sei, porém o pior é escrever por escrever.

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A maioria dos que vivem para escrever não vive de escrever.

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Escrever é uma atividade com a qual nos cansamos e maçamos os outros.

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