Recordo muitas vezes o meu amigo, o seu sorriso triste, a palavra rápida, a percepção imediata das coisas, a coragem inaudita; e, também, a sua abalada ternura pelos companheiros, as melancólica confissões. Manuel da Fonseca, um dos maiores escritores de sempre da literatura portuguesa, o mais felino dos sarcastas e o mais generoso dos amigos.
Havia, nele, a placidez dos grandes sonhos e a nobreza de olhar os camaradas com o respeito que eles, muitas vezes, não mereciam. Para ele, a literatura era um sonho de viver, e feria-o quando, aparentemente, o ignoravam. Passou, há dias, o aniversário da sua morte, recolhido ao Alentejo que escrevera como ninguém, num fulgor magoado e com o olhar enevoado de desgostos.
‘O Fogo e as Cinzas’, admirável livro de contos, cuja organização se deve a Carlos de Oliveira, à mulher deste, Maria Ângela de Oliveira, e a José Gomes Ferreira, é um trabalho de amor e uma doação ao espírito daqueles tempos. Outros grandes títulos do grande autor; ‘Seara de Vento’, ‘Cerromaior’, filmado por Luís Filipe Rocha com a paixão devida, e outros mais.
Certo dia, sabedor de que o meu amigo andava de dinheiro em baixo, falei com Francisco Pinto Balsemão para a entrada de Manuel da Fonseca como colaborador do jornal onde eu era redactor. E assim nasceram crónicas admiráveis, que eu editava no suplemento de domingo, sob o título ‘Pessoas na Paisagem’, uma experiência que me deu grande felicidade. Pontualmente, o meu velho amigo publicou, durante anos, sem uma falha, um texto ímpar que falava do seu Alentejo com a grandeza imaculada de quem escreve sobre o que ama.
Estive, agora, a reler o grande escritor, com a emoção de quem está, de novo, a ouvi-lo e à sua voz pausada e lenta, revendo os seus olhos pequenos e vivos, recordando a sua lúcida atenção às coisas, aos homens e ao seu tempo. Mas, sobretudo, recordando a amizade e o afecto, de que sinto a falta.
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