Luigi Chessa |
Meses atrás alguém me falou de você; estava bela e triste em Paris, hesitava em casar com um americano... Casou-se? E onde passou o Natal? Imagino que outra vez no país do Báltico, numa velha fazenda, junto de seus filhos. Saiba — isso não lhe fará mal — que há duas semanas, numa velha fazenda do Brasil, numa noite de Natal de muita chuva, houve um homem que acordou de madrugada pensando em você.
Sua beleza apenas não explica isso; nem essa graça frívola e melancólica; nem nossa amizade tão rápida, tão pouca. Entretanto, quando despertei por acaso, na madrugada, estava pensando em você, e gravemente, seriamente, com o sentimento de que era urgente que você estivesse tendo um feliz Natal. Lembra-se aquela tarde, no Coliseu?
Escurecia, mas ainda havia luzes estranhas nas nuvens que pareciam pintadas por El Greco. E no imenso anfiteatro em ruínas acenderam-se pequenas chamas trêmulas, como no tempo dos imperadores.
Estávamos quietos, ouvindo música; voltei-me lentamente; silenciosa, você chorava. Ficamos mais amigos; aquelas luzes, a música, a criança que naquele dia fazia anos e em quem você pensava, tudo isso reviveu um instante nesta última noite de Natal enquanto a chuva batia no telhado.
Acordei; e sem acender a luz, fiquei olhando a noite de chuva pela janela aberta; os gritos haviam se calado, havia apenas raros sapos coaxando na noite triste. Havia aquele cartão de Natal do ano passado que eu não respondi. E então eu senti que era preciso que você naquele instante, em algum país em que estivesse caindo muita neve?, estivesse cálida e feliz, os olhos iluminados de uma alegria triste da infância.
Onde? Não importava; ainda meio dormindo eu tinha a ilusão de que, pensando intensamente em você, eu estava, de algum modo, naquele momento, ajudando você; como se através das noites do mundo a ternura de uni homem grisalho diante de uma janela escura pudesse atravessar mares e terras para abençoar a trêmula cabeça de alguém.
Rubem Braga, "A traição das elegantes"
Nenhum comentário:
Postar um comentário