sexta-feira, outubro 7

Mamão doce

Comer mamão doce como sobremesa depois da refeição do almoço.


Nada era igual. Doçura pura. Mastigava com prazer os pedaços adocicados da fruta.

Colocava com gosto na gaiola o pedaço do mamão para o passarinho. Não podia deixar de fazer isso, o bichinho merecia fazer o deguste prazeroso da fruta. Deu até para imitar o canto de vários pássaros depois que bicava o pedaço de mamão maduro. Sinal que se sentia bem com a vida que levava, embora seu canto fosse de um prisioneiro, sem voo, som e pluma pelos ares das estações estáveis. Um canto inútil nos dias contrários da gaiola. Sem beber dos ritmos da natureza, livres.

Passavam as estações sem ter a graça de viver lá fora.

Virou rotina para o dono ter que limpar a gaiola, depois que ele comia o mamão e cantava vários cantos, todos os dias.

Se sacudia alegre no espaço pequeno da gaiola, enquanto bicava e comia o mamão.

Limpar todos os dias a gaiola. Que coisa chata. Começou a se indignar com o passarinho. Comia o mamão, mostrava-se alegre, deixava a gaiola suja, aquele passarinho nojento.

Contrariado, imaginando como se sair daquela obrigação de limpar o que o passarinho sujava na gaiola.

“Deixe estar, seu dia vai chegar, não vai mais sujar.”

Dessa vez deixou o pedaço de mamão com um tantinho de coisa líquida dentro. O passarinho só deu um bicada no pedaço do mamão. Caiu nervosinho, sem canto, qualquer movimento que indicasse que ali na gaiola existia um bichinho que ficava alegre imitando o canto de outros quando acabava de comer seu pedaço de mamão.

O veneno fizera o efeito que esperava.

“Agora passarinho arreliento vá cagar e sujar na cidade dos nadas, lá não há mamão doce pra você comer prazeroso. Acabou qualquer tipo de canto, bicho imundo, teimoso.”

Assoviou, aliviado, como se tivesse se livrado de uma coisa que lhe dava desconforto, transtornava.

“Triluli, trilulá, bem que disse que seu dia ia chegar.”
Cyro de Mattos

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