sexta-feira, outubro 21

O mascate libanês

O gringo Mansur desembarcou na estação do trem numa tarde de sol claro. Ao entrar na primeira rua de chão batido, depois de uma praça, sentiu no ar o odor denso de umas amêndoas secas que enchiam os armazéns de portas largas. Era o cheiro de resina do cacau. Encheu-lhe o peito o mesmo anseio dos que chegavam à região para realizar o sonho de ficar rico numa terra que oferecia a qualquer vivente muita benesse, graças à boa lavra das árvores dos frutos cor de ouro. Ele não chegava ali como outros com as mãos pobres. Trazia algum dinheiro, joias e uns caixotes contendo tecidos, tapetes, perfumes, sabonetes, talcos, carretéis de linha, tesouras, panelas, talheres, coisas miúdas e até vidrinhos com purgantes e óleo de rícino.
De primeiro foi mascatear nos povoados, onde era aguardado com ansiedade e recebido com alegria por gente curiosa. Causava espanto aos tabaréus as novidades que trazia em mercadoria para ser vendida na porta das casas ou na pracinha pouco acostumada a visitas como aquela. Às vezes não se entendia o que ele falava naquela língua estranha, misturando as palavras e arranhando a voz, que saía engraçada. Ficava em cada povoado pouco tempo, resolvia penetrar a mata hostil, com a mercadoria nos baús em lombo de mula. Ia abrindo trilhas e atalhos, que serviam para interligar gente, que de tão distante na tapera e na roça de cereal plantada pelos fundos, na clareira aberta por machado e facão, não sabia um do outro.

Hoje aqui perto, amanhã nas lonjuras, sem os pais, irmãos, amigos, doce amor da bela amada, tangendo os burros com a mercadoria nos baús grandes. Nessas idas e vindas, ia formando caminhos que ligavam os povoados aos fundos da mata.

Tecedor de sol e chuva, peito armazenado de solidões pela mata bruta. Respingava de suor no rosto, pulsando com o sangue dos ancestrais nas veias da madrugada. Picado por carrapato e mosquito, sedento, faminto, resmungando por trilhas e atalhos no mato grosso. Seda rara, tapete, broche, anel, perfume, linho, porcelana, revólver, rebenque, espora, lâmpada mágica. Tudo sacolejava nos baús que os burros levavam, já formando uma tropa pequena e nova.

Alimentava-se nas veredas com o sonho de se tornar um dia fazendeiro de vastas roças de cacau, nas horas de maior solidão ajoelhava-se. Inclinava o peito para frente várias vezes seguidas. Apoiando-se com as mãos no chão coberto de folhas secas, contrito, sob o silêncio imenso da mata trevosa, beijava o chão e emitia cânticos orantes:

Ilumina-me, Alá
Com o teu espírito,
Ilumina-me,
Ilumina-me,

Deixa-me sentir
Aqui no coração
Todo o teu calor,
Todo o teu amor
Para sempre,
Para sempre.

Ilumina-me, Alá,
Com o teu espírito,
Ilumina-me,
Ilumina-me,

Deixa-me sentir
Aqui na minha mente
O brilho bem forte
De todo o teu amor
Para sempre,
Para sempre.

Cyro de Mattos

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