Doidinha, não sei o que você viu em mim. Eu vou até o espelho, olho, olho, e palavra que não vejo nada que possa merecer uma segunda espiada. Mesmo assim, deixo passar cinco minutos, reúno toda a autocondescendência, volto ao espelho e … vejo o que já tinha visto, este rosto rabiscado pela vida e pelo tempo, este sorriso que, quando se abre, se abre de má vontade e, nos olhos, sempre aquela disposição de captar toda a melancolia possível e conservá-la.
Não sei, doidinha, o que você pode ter visto em mim. Há de ser algo interior, que só a alma seja capaz de apreender. Só pode ser isso.
E o que eu vi em você, doidinha? Ah, não me pergunte. Eu sou um jarro velho e furado e, mesmo querendo muito, me sinto incapaz de reter, por mais de um minuto, seja o que for vertido em mim, ainda que em mim você verta esse mel, esse ouro, isso que eu, antigo, ainda me atrevo a chamar de néctar, por não ter aprendido palavra melhor, por não me haver preparado para algo nada mais doce que o néctar e a ambrosia.
Raul Drewnick
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