Outro livro que muito me marcou, quase pela mesma altura, foi o romance de Sienckiewicz, "Quo vadis". Num estilo sem pathos, quase neutro, nada “interveniente”, o romancista polaco pinta-nos magistralmente as grandezas e misérias do império romano.
Uma história de amor serve de fio condutor a um desvelar de loucura e crueldade, de uma dimensão nunca vista. Os inesquecíveis diálogos entre Nero e Petrónio, em que este arrisca a vida, manipulando magistralmente o imperador, deixam marca perpétua no leitor empolgado. A morte de Petrónio é um cúmulo de beleza discreta e um anúncio de um fim de mundo. Neste romance, que se lê com sofreguidão, o adolescente leitor depara-se, pela primeira vez, com a condição humana nos seus limites de crueldade, mas também de desenfastiada elegância. Não é possível ficar imune a esta tempestade que varreu o mundo.
Outro livro, de entre os vários que me fazem pensar que eu não seria o mesmo se os não tivesse lido, está a novela de Tolstoi, "A morte de van Ilitch". Num texto de não muitas páginas, o grande ficcionista russo mergulha intrepidamente os seus instrumentos de sondagem, num dos momentos mais dilacerantes da vida humana: aquele em que o remorso por uma vida mal vivida se alia à aproximação da morte, que vai lentamente debilitando um corpo indefeso. Numa cena que é o cúmulo da observação e da arte de escrever, Tolstoi descreve-nos o pobre juiz, devorado por um cancro, abraçado ao mujik que lhe trata da higiene, como se desejando que a forte energia que dele dimana se lhe comunicasse por osmose: literalmente, um filho nos braços da mãe, que o aleita e lhe dá segurança. Esta novela de Tolstoi, apesar da sua pequena dimensão, não desmerece, na minha opinião, das grandes construções romanescas que lhe deram fama.
Há livros que admiramos, mas há outros que nos transformam profundamente. Estes três não foram os únicos que me deixaram dedada profunda. Há outros, não muitos, de que falarei noutro dia, se para isso me sentir inclinado.
Eugénio Lisboa
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