Um vento de sal e de sol castiga Pedro Serrano, que perambula nu pelo despenhadeiro. Os alcatrazes revoam perseguindo-o. Com uma das mãos como viseira, ele tem os olhos postos no território inimigo.
Mija e espera. Os pássaros gritam e fogem. Onde terá se metido? O céu é um resplendor branco, luz de cal, e a ilha uma pedra incandescente; brancas rochas, sombras brancas, espuma sobre a areia branca, um mundinho de sol e de cal. Onde terá ido parar este canalha?
Faz muito tempo que o barco de Pedro partiu-se em pedaços, naquela noite de tormenta, e os cabelos e a barba já lhe chegavam ao peito quando apareceu o outro, montado em uma madeira que a maré raivosa jogou à costa. Pedro escorreu-lhe a água dos pulmões, deu-lhe de comer e de beber e ensinou-lhe a não morrer nesta ilhota deserta, onde só crescem as rochas. Ensinou-lhe a virar as tartarugas e a degolá-las de um talho, a cortar a carne em rabanadas para secá-la ao sol e a recolher a água da chuva nos seus cascos. Ensinou-lhe a rezar pela chuva e a capturar mariscos debaixo da areia, mostrou-lhe refúgios de caranguejos e camarões e ofereceu-lhe ovos de tartaruga e as ostras que o mar trazia, grudadas nos galhos dos mangues. O outro soube por Pedro que era preciso recolher tudo que o mar entregasse aos arrecifes, para que noite e dia ardesse a fogueira, alimentada por algas secas, sargaços, ramos perdidos, estrelas-do-mar e ossos de peixe. Pedro ajudou-o a levantar um telhadinho de cascos de tartaruga, um quase nada de sombra contra o sol, na ilha sem árvores.
A primeira guerra foi a guerra da água. Pedro suspeitou que o outro roubava enquanto ele dormia, e o outro acusou-o de beber goles de animal. Quando a água esgotou-se, e se derramaram as últimas gotas disputadas a socos, não tiveram mais remédio além de beber cada um a própria urina e o sangue que arrancaram da única tartaruga que se deixou ver. Depois estenderam-se para morrer na sombra, e não lhes restava saliva para nada mais do que insultar-se baixinho.
A primeira guerra foi a guerra da água. Pedro suspeitou que o outro roubava enquanto ele dormia, e o outro acusou-o de beber goles de animal. Quando a água esgotou-se, e se derramaram as últimas gotas disputadas a socos, não tiveram mais remédio além de beber cada um a própria urina e o sangue que arrancaram da única tartaruga que se deixou ver. Depois estenderam-se para morrer na sombra, e não lhes restava saliva para nada mais do que insultar-se baixinho.
Finalmente a chuva os salvou. O outro opinou que Pedro bem que poderia reduzir à metade o teto de sua casa, já que os cascos escasseavam tanto:
– Tens um palácio – disse – e em minha casa passo o dia torto.
– Que te fodas tu – disse Pedro – e a puta que te pariu. Se não gostares de minha ilha, dê o fora! – E com um dedo apontou o vasto mar.
Resolveram dividir a água. Desde então, há um depósito de chuva em cada ponta da ilha.
A segunda foi guerra do fogo. Se turnavam para cuidar da fogueira, para o caso de que algum navio passasse ao longe. Uma noite, estando o outro de guarda, a fogueira se apagou. Pedro despertou-o com maldições e safanões.
– Se a ilha é tua, ocupa-te dela, seu puto – disse o outro, e mostrou os dentes.
Rodaram pela areia. Quando se fartaram de golpear-se, resolveram que cada um acenderia seu próprio fogo. A faca de Pedro açoitou a pedra até arrancar-lhe chispas; e desde então há uma fogueira em cada ponta da ilha.
A terceira foi a guerra da faca. O outro não tinha com que cortar e Pedro exigia camarões frescos como pagamento cada vez que lhe emprestava a faca.
Explodiram depois a guerra da comida e a guerra dos colares de caracóis.
Quando acabou a última, que foi a pedradas, firmaram um armistício e um tratado de limites. Não houve documento, porque nesta desolação não se encontra nem uma folha de cactus para desenhar um rabisco, e além disso nenhum dos dois sabe assinar; mas traçaram uma fronteira e juraram respeitá-la por Deus e pelo rei. Jogaram para o alto uma vértebra de peixe. A Pedro coube a metade da ilha que dá para Cartagena. Ao outro, a que dá para Santiago de Cuba.
E agora, de pé frente à fronteira, Pedro morde as unhas, ergue a vista para o céu, como se buscasse chuva, e pensa: “Deve estar escondido em algum canto. Sinto seu cheiro. Porco. No meio do mar, e jamais toma banho. Prefere fritar-se em seu óleo. Por aí anda, sim, escondendo-se”.
– Ei, miserável! – chama.
Lhe respondem o trovão da maré e o alvoroço das aves e as vozes do vento.
“Ingrato”, grita, “Filho da Puta!”, grita, e grita até arrebentar a garganta, e corre e percorre a ilha de ponta a ponta, a torto e a direito, sozinho e nu na areia sem ninguém.
Eduardo Galeano, "Os Nascimentos"
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