Gina Litherland
Algumas vezes, em casa, no meu leito, muito tempo depois do jantar, as últimas horas da noite, antes de adormecer, abrigavam também minha leitura, mas isso somente nos dias em que eu chegava aos últimos capítulos de um livro, que não faltava muito para chegar ao fim. Então, arriscando ser punido se fosse descoberto e ter insônia que, terminado o livro, se prolongava, às vezes, a noite inteira, eu reacendia a vela, assim que meus pais iam deitar; enquanto isso, na rua vizinha, entre a casa do armeiro e o correio, banhadas de silêncio, o céu sombrio, mas azul, estava cheio de estrelas; à esquerda na viela suspensa, onde começava sua ascensão espiralada, sentia-se a vigília monstruosa e negra da abside da igreja cujas esculturas não dormiam à noite, a igreja da vila e, no entanto, histórica, morada mágica do Bom Deus, do pão bento, dos santos multicolores e das damas dos castelos vizinhos que, nos dias de festa, quando atravessavam o mercado, fazendo pipilarem as galinhas e atraindo os olhares das comadres, vinham à missa “nas suas parelhas”, não sem deixar de comprar, ao regressar, na doceria da praça?
Marcel Proust
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