“Viciei-me
em ler de lápis na mão, para sublinhar, anotar. Transponho observações ou
citações para um caderno escolar, que consulto em caso de necessidade. Dizem
que tenho boa memória; de fato, não é má, apoiada em leituras reflexivas. Leio
em pé, desde que escorado a um balcão. Leio deitado, sobre travesseiros.
Poderia ler em qualquer enxerga, até mesmo na cadeia, se a cela fosse
individual. Mas leio, de preferência, sentado a uma mesa ou carteira, com o
livro pousado e espaço ao redor. Invejo quem consegue ler em ônibus ou avião.
Eu não leio nem durmo, ficou com os sentidos alertas, sintonizado em ruídos
suspeitos e engasgos nas turbinas.
(...)
Há
um ótimo lugar para ler: os cochos de fermentar cacau. Entre num deles, nas
entressafras, quando estão ainda mais desativados, escolha o canto, de
preferência com a cabeça para o norte, e esqueça por algumas horas as mazelas
do mundo. Nos cochos em desuso resta sempre um odor de cacau – perfume
embriagador. Há quem embale a imaginação lendo em rede do Ceará ou sentado no
trono do lavabo. Tive um amigo que leu assim todo o “Vinhas da ira”. O romance
de Steinbeck interessou-o a ponto de acelerar-lhe o relógio intestinal.
"Se todo mundo lesse, não haveria tempo para o tédio"
Hélio
Pólvora, "No trono do lavabo"
Hélio
Pólvora
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