Entra-me o sol em força pelo escritório, embate-me numa das
estantes e o máximo de interesse que sinto em mim é olhar para ele. Não é, em
todo caso, uma atividade nula, porque um sol vivo sobre os livros é
estranhamente belo. Só não sei porquê. Tento desvendar este mistério subtil e
não consigo. Os livros iluminam-se de uma vida estranha, na sua estante branca,
agora viva de cal, há neles uma individualidade a querer rebelar-se, encolhidos
na sua humildade de serem. Tudo o que está dentro deles se me anuncia nas
palavras que dizem e se eu prestasse mais atenção começavam a dizer. Encostados
uns aos outros, não me parece confraternizarem, mas fecharem-se no seu tímido
orgulho de serem diferentes, terem a consciência de que a sua palavra vale, de
que, modestamente embora, têm coisas a comunicar-me. E brilham nas lombadas
como numa face radiosa, adiantando-se com a sua pessoa que o sol lhes revelou.
Breve a tarde virá e se recolherão de novo ao apagamento das sombras. Breve
recolherão ao túmulo do seu abandono. Mas por enquanto estão vivos, rutilantes
de luz, na gloríola de se evidenciarem, nítidos e resplandecentes. E eu os olhos
por enquanto com um breve sorriso de tolerância e compreensão como toda a
humildade que tem um momento de se manifestar...
Vergílio Ferreira
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