Selçuk Demirel |
Organiza meus conflitos, medos e sonhos, equilibra-me na loucura do mundo. Nesse espaço vital encontro a flor feita de um homem real. Um pobre homem, contraditório e finito, provisório nesse intervalo entre o primeiro vagido e o último suspiro.
Sem ela, não sou um ente que pensa e tem emoção. Sou, como diz o poeta Pessoa, cadáver ambulante que procria. Só tenho motivações de fazer leituras do mundo com as vestes da vida e da morte que a literatura põe nas palavras. Sem essa magia, alquimia do verbo feita luz, não me torno sequer menino, não digo coisas da vida que se foi, como nesses versos de “A Roda do Tempo”: Criei vaga-lumes / Para vê-los à noite/ Brilhando no quarto// Nadei como um peixe ágil/ Nas águas mais claras/ Do Rio de Água Doce.// Como um pássaro/ Tive cada voo/ Com o vento mais alto// Andei como bicho solto/ Sem ter medo de nada// Mas a infância tem o sabor / De uma fruta que termina/Na idade dos homens.
Costumo dizer que o escritor é a única criatura neste planeta que gesta e pare duas vezes o mesmo filho.Pare quando o seu livro está pronto. Pare quando é publicado. Tem acontecido de o editor já ter assinado o contrato de edição da obra, até mesmo começado a fazer o livro e depois desistir. O que fazer agora se há uma cláusula no contrato dizendo que qualquer questão entre o autor e o editor será resolvida no foro da cidade de São Paulo? Resido no interior e não tenho condições de enfrentar a demanda em terreno distante e desfavorável. Percebo então que nadei e morri na praia. Começar tudo de novo, procurar outra editora. Sem hesitar, prossigo na minha jornada literária até quando Deus me chamar para outra morada.
Pensam que é fácil andar nessa estrada, a essa altura comprida. Alegam que sou centralizador, só penso em mim, aqui em minha terra com a minha cultura podia ser até o guru de muitos intelectuais. Pode haver tamanha insensatez, incompreensão de como venho tentando encontrar-me por entre os rumores de minhas circunstâncias agudas, milenares? Esses que assim me falam não sabem das solidões que tenho na madrugada de um homem só. Lembro disso e tenho pena de Mariza, a mulher que me ama como sou, sabe bem o que digo, durante mais de cinquenta anos em que juntos vivemos, provando alegrias e dores.
Jorge Luís Borges declara que escreve para viver. Garcia Márquez afirma que morre se não escrever, mas também morre se escrever. Eu escrevo, bem ou mal, porque é minha maneira de ser um homem útil ao outro no mundo, embora tudo seja ilusão, sonhar é sabê-lo, de novo escuto Fernando Pessoa. Fica claro que escrevo não com sede de imortalidade. E sei do meu tamanho e dos outros. No fundo mesmo todos nós somos iguais, nascer, viver e morrer. Cada um está aqui para contar a sua história. Como o vento, não ficamos, para isso fomos feito, passamos, passamos.
Nada se pode fazer. Ai de mim, ai de mim. Como eu disse certa vez nos dois últimos versos de um soneto: Da cabeceira à foz/ Tantas explicações / Para saber enfim/ Que nada sei de mim.
Cyro de Mattos
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