A complexidade de Rulfo foi ligada à sua infância (órfão aos 10, enviado por seus avós a um internato) ou diretamente “a um dom”, “a um puro milagre”. Mas ele disse, segundo citação de um dos estudiosos, que o decisivo em sua formação foi ter acesso à biblioteca do padre de seu povoado, Ireneo Monroy, que levava livros das casas com a desculpa de verificar se eram permitidos, “mas o que fazia na realidade era ficar com eles”. “Os romances de Alexandre Dumas, os de Victor Hugo, Dick Turpin, Buffalo Bill, Touro Sentado”.
A erudição é uma das explicações da profundidade de Rulfo. Nos anos 40, estudou tanto o escritor Rainer Maria Rilke que traduziu de próprio punho parte de suas Elegias de Duino. No livro faz uma relação especial com Histórias de amor e de morte do corneteiro Christopher Rilke, cujo “Cavalgar, cavalgar, cavalgar. Durante o dia, durante a noite, durante o dia”, lembra o trecho em Pedro Páramo “Os canos borbotavam, faziam espuma, cansados de trabalhar durante o dia, durante a noite, durante o dia”.
Por trás de seu romance também existe muito conhecimento de geografia e história do México. “Era apaixonado pela toponímia antiga”, escreve Víctor Jiménez, diretor da Fundação.
Um ensaio relaciona Pedro Páramo com a Teoria Estética de Theodor W. Adorno, outro com o poeta romântico Jean Paul Richter. Outro detalha que encontrou no livro “145 frases lapidares” e as divide em “máximas, vaticínios, opiniões e sentenças”. Uma pesquisadora da Universidade de Tóquio estabelece uma conexão com o teatro japonês noh. Um acadêmico de Utah conta a história de John Gavin, um galã de Hollywood que interpretou o caudilho Pedro Páramo na primeira adaptação cinematográfica do livro, fracassou e anos depois foi nomeado embaixador no México por Ronald Reagan.
Em outro texto é mencionada a sutil violência verbal da obra. Como esse diálogo entre Juan Preciado e o tropeiro Abundio Martínez:
“O caso é que nossas mães nos deram à luz em uma esteira, mesmo sendo filhos de Pedro Páramo. E o mais engraçado é que ele nos levou para sermos batizados. Com o senhor deve ter acontecido a mesma coisa, não?
– Não me lembro.
– Vá pra casa do caralho!
– O que você disse?
– Que já estamos chegando, senhor".
Outro aspecto chamativo da obra é a ausência de personagens indígenas. Só aparecem uma vez, quando vão a Comala para vender suas ervas. “Os índios chegam debaixo de chuva e vão embora debaixo de chuva”, diz o ensaísta que aborda o tema. Rulfo só escreveu três livros em toda sua carreira, nos anos 50, e o resto de sua vida foi dedicado ao Instituto Nacional Indigenista, onde se encarregou de editar uma das coleções mais importantes de antropologia contemporânea e antiga do México, apesar de nunca ter escrito sobre os índios. “Sua mentalidade é muito difícil de penetrar”, disse. Rulfo não foi capaz de conhecer os índios. Os estudiosos também não chegaram a conhecer Rulfo, mas continuarão tentando.
Pablo de Llano
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