— Moça!
— E, anh, te conheço?
— Não. Só quero saber a hora.
— Por que pergunta pra mim?
— É só uma pergunta.
— Não chega perto! Pergunta pra outro.
— Não tenho mais a quem perguntar.
— Tem tanta gente no mundo. Não tenho resposta para nada.
— Só tem você na rua a esta hora.
Dê Almeida |
— É a pessoa que está mais perto.
— Pergunte pra outra, já disse. Procure.
— Onde?
— A cidade é grande, o país é grande, o mundo enorme, vá pelas galáxias.
— Onde estão as outras 7.999.999.999 pessoas?
— Quer endereço? Qual é? Estão por aí, vá até a esquina. Vá ao centro. Vá aos parques, aos shoppings. Vá às manifestações de protesto, tem tanta gente lá, devem saber mais do que eu o que o senhor ia perguntar.
— Custa responder?
— Não gosto de falar com estranhos.
— É só uma pergunta!
— Mas você pode engrenar na conversa, me enganar, me dar uma facada, um tiro, me estrangular, me violentar, me bater, me esfaquear, deixando meus intestinos de fora.
— Está louca, pirada, fumou crack, qual é?
— Tive duas amigas estupradas, você tem cara de estuprador, sai, sai. Só estou na rua porque estou voltando do meu primeiro emprego, fiquei desempregada sete anos, passei fome, quase virei puta.
— Tenho cara de estuprador?
— Não sei a cara deles, você está me levando na conversa, vai me degolar, cortar minha orelha, furar meus olhos, arrancar minha bocetinha, cortar meus dedos, arrancar meu nariz, meus dentes. E acabei de colocar este aparelho, me custou tanto! Não arranque meus dentes, moço.
— Está louca? Que neura! Só quero fazer uma pergunta.
— Quem me diz que você não é um homem bomba, puxa um cordão, explode tudo, você, eu, as casas, arrasa o quarteirão, mata um monte de gente? Sei que você quer me degolar como esses terroristas da televisão, lá do Oriente. Aquilo nem existe, deve ser filme.
— Olhe para mim, estou de bermuda, camiseta. Onde está a bomba? A faca para degolar?
— Isso é maneira de se vestir?
— Com este calor é!
— Canalha, o senhor é um canalha.
— E você, louca!
— Viu? Se revelou. Marginal, black bloc, isso que você é. Vândalo, destruidor de vitrine, de orelhões, de lixeiras, de caixas de correio, ladrão de bolsa de mulher, quer meu celular, ladrão de caixas eletrônicos. Meu deus! Cadê a polícia! Socorro, socorro. Não tem ninguém, ninguém. Ele vai me matar.
— Cala a boca, moça! Cala!
Ela não se calou.
— Cale-se. Não é nada disso.
Ela não se calou.
— Cale-se, pelo amor de Deus!
Ela não se calou. As pessoas estão transtornadas, neuróticas, todos têm medo. Do quê?
— Cale-se, te peço, cale-se.
Ela não se calou. Não havia outra maneira. Juro que se tivesse uma faca cortaria a garganta dela, ficou histérica, vão acabar me prendendo nesta merda deste bairro. Janelas se abrem, as pessoas gritam umas para as outras das janelas, chamem os seguranças, apitos, linchem, linchem, cortem em pedacinhos. Fujo, corro, me escondo, cachorros latem em todas as casas, luzes se acendem, alguém chamou a polícia. Me tranco dentro de um banheiro químico fedorento, vomito de medo e nojo. Tá difícil ficar vivo nesta terra.
Ignácio de Loyola Brandão (Trecho do romance inédito)
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