O sertão que serviu de cenário para o embate épico entre Diadorim e Hermógenes nunca esteve tão vazio de escolas, livros e gente. Nos últimos anos, a prefeitura de Buritizeiro (MG) fechou 38 das 50 escolinhas de primeira a quinta série do ensino fundamental que funcionavam na zona rural. No distrito de Paredão de Minas, a 85 km por estrada de terra da sede do município, local exato onde Diadorim morreu, a escola ainda está aberta, mas não há um único exemplar de Grande Sertão: Veredas ou outros livros de Guimarães Rosa na pequena biblioteca.
Nos anos 1950, quando o romance foi publicado, havia mais moradores no interior de Buritizeiro que nos dias atuais. Eram 6,5 mil pessoas nos sítios, fazendas e povoados. Hoje são 3,3 mil. O porcentual de moradores no meio rural despencou de 72% para 11% entre a década de 1960 e 2016. É um índice de concentração urbana elevado para um município que possui o quinto maior território de Minas Gerais.
A política de educação adotada pelo município não apenas foi impactada pelo decréscimo da população no interior como incentiva o êxodo rural. A centralização do ensino, com o fechamento de escolinhas no campo, tem levado famílias a se mudar para o centro de Buritizeiro para garantir o estudo dos filhos. No ano passado, a prefeitura fechou escolas do ensino básico nos lugarejos de Galhão, Felismone, Fazenda Chapahaus, Limeira, Marruás e Comunidade Sambaíba – esta última citada como lugar de passagem do bando de Riobaldo. A conta não inclui escolas fechadas por motivo de falta de alunos, como foi o caso da que funcionava em Cachoeira das Almas.
No cargo desde janeiro, a secretária de Educação de Buritizeiro, Kelen Bitencourt, avalia que, na cidade, as escolas estão mais preparadas para atender aos alunos. Ela diz que a centralização escolar trouxe economia para as contas do município e facilitou a vida de professores, que tinham de ficar até duas semanas fora para atender estudantes do interior. Hoje o município tem cinco escolas de primeira a quinta série, uma infantil e duas creches no perímetro urbano. Kelen, porém, reconhece que o fechamento das escolas no campo prejudica o desenvolvimento dos povoados rurais. “É um problema social que atrapalha as comunidades do interior”, afirma.
Há 24 anos na rede de ensino municipal, ela relata que nunca houve nesse período trabalho para divulgar o Grande Sertão: Veredas entre professores e alunos.
Paredão de Minas é um dos lugares que os moradores temem que desapareça. Nas três ruas do lugar, mais de 40 casas estão abandonadas. Com o predomínio dos eucaliptos, postos de trabalho nas fazendas diminuíram. O fim das carvoarias também representou desemprego. O posto dos Correios fechou há dois anos. Há ainda a preocupação de que a obra de uma usina hidrelétrica no Rio do Sono, um projeto antigo, possa acelerar o fim do distrito.
O Estado chegou no fim de uma tarde de novembro ao distrito de Buritizeiro descrito nas últimas páginas do romance de Guimarães Rosa. Uma chuva tinha passado por lá. Um filete de claridade do sol entre as nuvens carregadas se refletia nas pedras ovais e alaranjadas que formavam um caminho até as margens do Rio do Sono. O cerrado estava esverdeado, mas numa coloração pouco vistosa. Boa parte das casas do povoado estava abandonada. Não havia ninguém nas ruas.
Foi esse trecho do Rio do Sono que o bando de Riobaldo atravessou para o combate final com Hermógenes. Ali, no centro do povoado, Diadorim cravou a faca em Hermógenes, que sucumbiu. No embate, Diadorim foi ferida mortalmente.
O nome do lugar faz referência a um morro de argila vermelha na outra margem, já no município de João Pinheiro. Aqui, o Sono é encachoeirado, sujo, com uma cor vermelha, do barro arrancado das margens, dos pedaços de paus arrastados, dos afluentes tomados pela lama. “É tempo de entrada das águas”, explica Givaldo Barbosa, único comerciante do povoado.
A rede de energia elétrica chegou há alguns anos ao Paredão, mas o abastecimento é irregular. É comum o lugar ficar sem luz durante dias. Nas noites quentes e escuras do vilarejo, é possível ver um céu estrelado. Aves, insetos e répteis na folhagem da beira do rio tornam as noites barulhentas. Sapos maiores que codornas se confundem com as pedras arredondadas e amareladas da beira do curso.
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