Comprei todos em viagens que fiz pra fora do país porque aqui o valor dos sapatos, de boa cêpa, está cada vez mais impraticável. Outro dia vendo uma foto do Alckmin engraxando seus Vulcabrás notei que esta é a única coisa que temos em comum. Faço o mesmo com os meus numa relativa frequência.
Durante as últimas férias aproveitei para cuidar dos meus velhos e queridos pisantes. Limpei, hidratei o couro como pude, fiz assepsia nos solados. Mas o Oxford estava em péssimo estado. Pelo uso, craquelara na parte de cima. Levei a um sapateiro no meu bairro que elogiou a sua qualidade e prometeu deixá-lo zero quilômetro. De fato o fez, mas para tirar o defeito envernizou-o. A sensação que eu tinha ao andar com ele na rua era a de que tinha virado um palhaço, tamanho brilho vindo dos pés.
Eram 18h50. O sapateiro, um senhor negro como hulha, mirou o calçado com admiração. Disse-me que a loja fechava às 19 horas, mas que ia tentar desenvernivizá-lo. Entretanto, não prometia nada, devido à idade do paciente.
Sai para um café com o coração na mão. Lembrei-me de todos os lugares que aquele solado pisara comigo. Os países, os escritórios, as quebradas, os bares, as calçadas, os restaurantes. Das vezes em que sai de uma casa e o coloquei no meio dos meus pertences de qualquer jeito.
Em meia hora voltava ao estabelecimento. O branco dos dentes do sapateiro contrastou com seu rosto e um pé do companheiro que trazia nas mãos.
– Óia aí, fio, deu certo! – informou ele, com alegria.
O velho Oxford estava como novo, fosco e tinindo. E parecia também sorrir pra mim. Certas coisas materiais tem um pé na metafísica.
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