Chegado aqui, vejo-me como se fosse o Fabrice del Dongo, esse personagem do Stendhal, no início da Cartuxa de Parma, que avança, no nevoeiro de Waterloo, ouvindo vagamente o ruído da batalha, mas que não consegue encontrar o ponto em que os exércitos entram em confronto, limitando-se a enterrar as botas na lama num esforço para encontrar o inimigo. Posso dizer, por experiência própria, que não há nada mais cansativo do que andar em cima de um lamaçal. Levantar uma perna é um esforço tão grande como puxar um balde de água de um poço; isto, claro, depois de já termos puxado muitos outros baldes de água. E se o poço for fundo, não vemos sequer se há ou não água que chegue para tirar ainda mais baldes; mas o peso de cada balde redobra quando o puxamos, ouvindo-o bater contra as paredes do poço, provocando um eco que nos bate no ouvido até que não conseguimos ouvir mais nada. Posso comparar esta sensação à que tive ao ler, pela primeira vez, a Cartuxa de Parma sem conseguir parar da primeira até à última linha, como se cada página fosse um desses baldes que eu puxava do fundo da imaginação de Stendhal até chegar à vista dos meus olhos. Fiquei exausto, isto é, ficava exausto no fim de cada página, mas era um cansaço que me obrigava a continuar, sem descanso, sabendo que só no fim, quando o poço ficasse seco nessa última página, e eu estivesse mergulhado num oceano, de tanta água que tirara do poço, teria o repouso ambicionado, embora quase não conseguisse respirar, afogado naquele dilúvio de palavras.
Nuno Júdice, "O Café de Lenine"
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