sexta-feira, abril 26

Velhos de Lisboa

Em suma: somos os velhos,
cheios de cuspo e conselhos,
velhos que ninguém atura
a não ser a literatura
E outros velhos. (os novos
afirmam-se por maus modos
com os velhos). Senectude
é tempo não é virtude…
Decorativos? Talvez…
Mas por dentro “era uma
Vez…”
Velhas atrozes, saídas
de túgurios impossíveis,
disparam, raivoso, o dente
contra tudo e toda a gente.
Velhinhas de gargantilha
visitam o neto, a filha,
e levam bombons de creme
ou palitos “de la reine”.
A ler p’lo sistema Braille
Ó meus senhores escutai!
um velho tira dos dedos
profecias e enredos.

Outros mijam, fazem esgares,
têm poses e vagares
bem merecidos. Nos jardins,
descansam, depois, os rins.
Aqueleoutros (os coitados!)
imaginam-se poupados
pelo tempo, e às escondidas
partem p’ra novas sortidas…
Muito digno, o reformado
perora, e é respeitado
na leitaria: “A mulher
é em casa que se quer!”
Velhotes com mais olhinhos
que tu, fazem recadinhos,
pedem tabaco ao primeiro
e mostram pouco dinheiro…
E os que juntam capicuas
e fotos de mulheres nuas?
E os tontinhos, os gaiteiros,
que usam cravo e põem
cheiros?
(velhos a arrastar a asa
pago bem e vou a casa)
E a velha que se desleixa
e morre sem uma queixa?
E os que armam aos pardais
Nessas hortas e quintais?
(Quem acerta co’os botões
deste velho? Venha a cidade
ajudá-lo a abotoar
que não faz nada de mais!)

Velhos, ó meus queridos
velhos,
saltem-me para os joelhos:
vamos brincar?

Alexandre O’Neill

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