quarta-feira, dezembro 31
Novos livros nos esperam
As fadas estão prestes a nos conceder 8.760 horas para desfrutar mais da vida. Um terço, ao menos, já tem destino certo: fazer com que sonhemos com elas. Outra parte dedicaremos a atividades essenciais e apenas um pouquinho à leitura, que também faz parte do tempo encantado.
Leitores, por aí, começam a estocar as leituras de 2015 com as sobras do ano que passa e os volumes recebidos pelo Natal. Outros fazem listas de desejos para o ano que chega, contando trocados para as futuras compras.. Também entre os leitores, há a mania de fazer promessas: de ler mais, mudar hábitos como reduzir um livro a frangalhos; rabiscar menos, ou jogar fora de vez marcadores de texto e canetas, que os livros não merecem maus tratos.
Vão também jurar que selecionarão m ais as leituras. Se prometem outras experiências de leitura, quiçá recomeçar livros há tanto deixados de lado, que o tempo os deixou desinteressantes. Não deixarão de ler antes de dormir como se recomenda para se ter uma boa noite de sono, relaxado. Vão encontrar mais uns tempinhos extras para aproveitar os livros.
Enfim, promessas não faltarão entre eles. Não importa que sejam cumpridas. O mais importante é que se leia. Pouco ou muito, à medida de cada um. Ler não só faz bem à saúde, mas é vital para seremos melhores. Essa talvez seja uma das maiores, entre muitas outras, virtudes do livro.
Receita de Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade ("Jornal do Brasil", dezembro/1997)
Canção de Fim de Ano
Que dia maravilhoso haverá, aquele em que for possível telefonar para os melhores amigos e dizer-lhes que houve um ligeiro engano, que não teria sido preciso escrever coisa alguma? E que, dali em diante, nada mais se escreverá, a não ser os nomes e os números necessários das pessoas e das coisas.
Que boa impressão a de ser-se uma parte do coral, um grito em meio às vozes que clamam o gol, um gemido noturno, entre os muitos e repetidos gemidos, na imensa e fria sala do hospital de indigentes! E que absurda e amiga paz a de saber-se que a lua e a flor, o rio e a queixa, nada foi mais lua ou flor, mais rio ou mais queixa, por causa do que se disse. A própria mulher foi sempre bela ou fêmea, antes e a salvo da minha poesia e das minhas mãos!
Vivi entre o que viveu. Fui multidão e povo, um lugar ocupado, uma rescendência de suor, uma voz que pediu licença, um olhar que mendigou prazeres e uma parte milesimal dos pés que povoaram. Das minhas mãos, prefiro não contar, a não ser na custosa confissão de que foram mãos vadias. De bem, fizeram a bênção e o carinho... mas o carinho é vadio e, em toda vez que se aparta de Deus, é proibido. Prevalece, portanto, o existente da multidão, o corista, aquele que não foi o solista de beleza alguma e que, por isso, se sente irresponsabilizado dos erros de maneira especial e destacada!
Sou o rosto fora de foco de uma fotografia em que dezenas de pessoas aparecem em segundo plano. Posso ter ou não a barba crescida; posso trazer ou não uma flor no peito; posso chorar até, e ninguém botará reparo. A fotografia passará de mão em mão e todos os que comigo estiverem desfocados só serão odiados quando não houver mais nada a odiar em primeiro plano.
Só assim é — se o homem real e constante — o que sente o gosto e o cheiro da vida. A maioria se evade de sua condição real, para fazer ou imitar o êxito. Entretanto, só o êxito casual é verdadeiro. Exemplo de êxito casual: a beleza. Exemplo de beleza: a mulher bela. Uma mulher sentou-se à minha frente. Tinha luz própria... E tanta, que um fanal de evidente claridade iluminou minhas mãos, quando em gestos inúteis (as mãos) procuravam supor os seus múltiplos encantos. Mas não me quero perder além do homem real e constante, portanto, desenvolto.
Só farei, sem pudor e remorso, aquilo que fizer com desenvoltura. Principalmente, a poesia e o amor. O amor ou é desacanhado, destro, irrefletido... ou é suor. A poesia também. Por isso volta-se a multidão, vivem-se as imunidades corais e espera-se a vinda casual da poesia e do amor.
Sou o homem real, que sua, que mente, que disfarça, que teme, que inveja e cobiça. Tive e tenho os meus momentos de suicida. Não gosto que me conheçam aquém e além de um homem constantemente exposto ao erro e ao crime. É dever do ser humano pressentir em seu semelhante um sem-número de intimidades inconfessáveis. O grande e verdadeiro amor ao próximo é aquele que ama os erros mostrados e pressupostos.
Além da verdade, só existe a multidão, que exime o homem das proclamações e o ampara das conseqüências de sua coragem. Depois de cumprida a Verdade, ter-se-á conquistado o silêncio. "O silêncio alcançado à custa de sempre dizer a mesma coisa" (João Cabral de Melo Neto).
Só creio em dois estados de lucidez: o dos bêbados e dos poetas. Ambos são negados. Mas essa negação ainda não é a definitiva. Lucidez não é, por exemplo, comprar-se uma vitrola por cem dólares e se vendê-la por vinte contos. Isto seria melhor chamado de "paciência"... ou "organização"... ou ainda "paciência organizada". Lucidez não é ainda ir-se hoje para Brasília e voltar-se, daqui a três anos, com cem milhões. A isto eu chamaria de "disciplina para fazer o fácil". A grande lucidez dos poetas estaria, por exemplo, neste verso de Fernando Pessoa: "Em tudo quanto olhei, fiquei em parte". A lucidez dos bêbados é difícil de defender, porque existem mil bêbados diferentes na humanidade. Mil que partem de dois: o bom e o mau. Ambos são lúcidos e, se um desagrada, é porque sua natureza repele o estado angelical e luzente da bebedice.
O conhecimento incessante da verdade faz com que o homem caminhe para o anjo. Chegarão primeiro os que mais depressa conheceram ao seu semelhante, tanto quanto a si mesmo. Nunca foi impossível o exato conhecimento próprio. É necessária, porém, a coragem bastante, para que cada qual se veja e se pegue, se espie e se apalpe, em cada um dos seus mais íntimos espaços físicos e morais. Que as constantes feiúras a encontrar não nos retraia os olhos (no caso, o sentir) e as mãos. Depois, será mais fácil conhecer-se o próximo. E depois, então, mesmo que se minta, só se saberá da utilidade e do consolo da verdade. Faltará ânimo para o fingimento e a fuga, quando acreditarmos em que ninguém engana ninguém e em que somos capazes de conhecer o próximo, desde o instante inicial do primeiro conhecimento.
A sintomatologia do mal é evidente e constante. O homem mau ri errado. Por isso, deve-se viver em multidão. Falar e rir em coro, andar e parar em batalhões. Viver entre os que, simplesmente, estiverem vivendo. A vida coral nos alivia da obrigação do êxito, do êxito que é casual (e verdadeiro) ou é fabricado e cínico. Desconfiai dos feitos que são repetidamente comemorados com jantares e missas de ação de graças!
É esta uma simples canção de fim de ano. Escrevia, confessando-me e comprometendo-me em cada uma das minhas pequenas descobertas. Se não atingi, rondei mais das vezes a insolente verdade dos homens e das coisas. Em vez disso, escreveria uma crônica de Natal... Mas, em tudo o que eu dissesse do Nascimento de Cristo e fraternidade humana, correria o erro constante de repetir: "Natal, Natal, bimbalham os sinos...".
Que boa impressão a de ser-se uma parte do coral, um grito em meio às vozes que clamam o gol, um gemido noturno, entre os muitos e repetidos gemidos, na imensa e fria sala do hospital de indigentes! E que absurda e amiga paz a de saber-se que a lua e a flor, o rio e a queixa, nada foi mais lua ou flor, mais rio ou mais queixa, por causa do que se disse. A própria mulher foi sempre bela ou fêmea, antes e a salvo da minha poesia e das minhas mãos!
Vivi entre o que viveu. Fui multidão e povo, um lugar ocupado, uma rescendência de suor, uma voz que pediu licença, um olhar que mendigou prazeres e uma parte milesimal dos pés que povoaram. Das minhas mãos, prefiro não contar, a não ser na custosa confissão de que foram mãos vadias. De bem, fizeram a bênção e o carinho... mas o carinho é vadio e, em toda vez que se aparta de Deus, é proibido. Prevalece, portanto, o existente da multidão, o corista, aquele que não foi o solista de beleza alguma e que, por isso, se sente irresponsabilizado dos erros de maneira especial e destacada!
Sou o rosto fora de foco de uma fotografia em que dezenas de pessoas aparecem em segundo plano. Posso ter ou não a barba crescida; posso trazer ou não uma flor no peito; posso chorar até, e ninguém botará reparo. A fotografia passará de mão em mão e todos os que comigo estiverem desfocados só serão odiados quando não houver mais nada a odiar em primeiro plano.
Só assim é — se o homem real e constante — o que sente o gosto e o cheiro da vida. A maioria se evade de sua condição real, para fazer ou imitar o êxito. Entretanto, só o êxito casual é verdadeiro. Exemplo de êxito casual: a beleza. Exemplo de beleza: a mulher bela. Uma mulher sentou-se à minha frente. Tinha luz própria... E tanta, que um fanal de evidente claridade iluminou minhas mãos, quando em gestos inúteis (as mãos) procuravam supor os seus múltiplos encantos. Mas não me quero perder além do homem real e constante, portanto, desenvolto.
Só farei, sem pudor e remorso, aquilo que fizer com desenvoltura. Principalmente, a poesia e o amor. O amor ou é desacanhado, destro, irrefletido... ou é suor. A poesia também. Por isso volta-se a multidão, vivem-se as imunidades corais e espera-se a vinda casual da poesia e do amor.
Sou o homem real, que sua, que mente, que disfarça, que teme, que inveja e cobiça. Tive e tenho os meus momentos de suicida. Não gosto que me conheçam aquém e além de um homem constantemente exposto ao erro e ao crime. É dever do ser humano pressentir em seu semelhante um sem-número de intimidades inconfessáveis. O grande e verdadeiro amor ao próximo é aquele que ama os erros mostrados e pressupostos.
Além da verdade, só existe a multidão, que exime o homem das proclamações e o ampara das conseqüências de sua coragem. Depois de cumprida a Verdade, ter-se-á conquistado o silêncio. "O silêncio alcançado à custa de sempre dizer a mesma coisa" (João Cabral de Melo Neto).
Só creio em dois estados de lucidez: o dos bêbados e dos poetas. Ambos são negados. Mas essa negação ainda não é a definitiva. Lucidez não é, por exemplo, comprar-se uma vitrola por cem dólares e se vendê-la por vinte contos. Isto seria melhor chamado de "paciência"... ou "organização"... ou ainda "paciência organizada". Lucidez não é ainda ir-se hoje para Brasília e voltar-se, daqui a três anos, com cem milhões. A isto eu chamaria de "disciplina para fazer o fácil". A grande lucidez dos poetas estaria, por exemplo, neste verso de Fernando Pessoa: "Em tudo quanto olhei, fiquei em parte". A lucidez dos bêbados é difícil de defender, porque existem mil bêbados diferentes na humanidade. Mil que partem de dois: o bom e o mau. Ambos são lúcidos e, se um desagrada, é porque sua natureza repele o estado angelical e luzente da bebedice.
O conhecimento incessante da verdade faz com que o homem caminhe para o anjo. Chegarão primeiro os que mais depressa conheceram ao seu semelhante, tanto quanto a si mesmo. Nunca foi impossível o exato conhecimento próprio. É necessária, porém, a coragem bastante, para que cada qual se veja e se pegue, se espie e se apalpe, em cada um dos seus mais íntimos espaços físicos e morais. Que as constantes feiúras a encontrar não nos retraia os olhos (no caso, o sentir) e as mãos. Depois, será mais fácil conhecer-se o próximo. E depois, então, mesmo que se minta, só se saberá da utilidade e do consolo da verdade. Faltará ânimo para o fingimento e a fuga, quando acreditarmos em que ninguém engana ninguém e em que somos capazes de conhecer o próximo, desde o instante inicial do primeiro conhecimento.
A sintomatologia do mal é evidente e constante. O homem mau ri errado. Por isso, deve-se viver em multidão. Falar e rir em coro, andar e parar em batalhões. Viver entre os que, simplesmente, estiverem vivendo. A vida coral nos alivia da obrigação do êxito, do êxito que é casual (e verdadeiro) ou é fabricado e cínico. Desconfiai dos feitos que são repetidamente comemorados com jantares e missas de ação de graças!
É esta uma simples canção de fim de ano. Escrevia, confessando-me e comprometendo-me em cada uma das minhas pequenas descobertas. Se não atingi, rondei mais das vezes a insolente verdade dos homens e das coisas. Em vez disso, escreveria uma crônica de Natal... Mas, em tudo o que eu dissesse do Nascimento de Cristo e fraternidade humana, correria o erro constante de repetir: "Natal, Natal, bimbalham os sinos...".
Antônio Maria (14/12/1956)
terça-feira, dezembro 30
Iscas de leitura
Em meio à feiura efêmera da política e da violência, podemos
seguir outro poeta e lembrar com Drummond: "E como ficou chato ser moderno,
agora serei eterno".
Fim de ano e de governo, hora de balanços, promessas,
esperanças. Uma encruzilhada dos tempos: também começo de ano e de governo. Em
meio a tanta notícia ruim, sequestros, tiroteios, assaltos, massacres de
escolares, números negativos e escândalos em série, tudo a alimentar nossa
apagada e vil tristeza, o ritual de recomeço procura se nutrir de bons sinais
aqui e ali . O reatamento de relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos.
O encontro de uma canção inédita nos guardados de Dorival Caymmi. A empolgante
vitória de Gabriel Medina como campeão mundial de surfe — e a elegância com que
os adversários reconheceram sua grandeza.
O Ano Novo recorda a beleza de começos e recomeços. “Belo
porque corrompe com sangue novo a anemia”, como já cantou João Cabral em “Morte
e vida severina”. Que seja, então. Mas em meio à feiura efêmera da política e
da violência, podemos seguir outro poeta e lembrar com Drummond: “E como ficou
chato ser moderno, agora serei eterno.”
Convido então a buscar um pouco dessa beleza eterna. Para
muita gente, verão é também tempo de férias, a oportunidade de mergulhar em
leituras. Não vou sugerir novidades, isso já foi feito à exaustão nas páginas
pré-natalinas. Mas proponho um passeio por começos instigantes. Hoje muita
gente só compra livros pela internet, perdendo a oportunidade de folheá-los
numa livraria. Então trago ao espaço comum de nosso jornal algumas frases
iniciais de bons livros, iscas de romances. Talvez você reconheça algumas,
talvez tenha saudades de outra e resolva reler. Pode também se deixar fisgar
por uma desconhecida e então a busque para conferir. Os livros virão
identificados ao final da coluna. Nenhum é novidade. Mas creio que, sem
exceção, cada um poderá dar prazer e ajudar a pensar sobre o mundo que nos
cerca — razão pela qual faço questão de trazê-los a esta página de opinião.
O panteão texano de escritores
Gabo revisando provas de "Cem anos de solidão" em sua casa no México |
Todas as memórias de Gabriel García Márquez ocupam 2,6 metros cúbicos. São cerca de 40 caixas de papelão e plástico amarradas em duas paletes de madeira. Era a sua coleção pessoal, as coisas que ele guardava em sua casa na Cidade do México. Assim chegaram no dia 16 de dezembro ao Harry Ransom Center, em Austin, campus da Universidade do Texas. Dezoito pessoas ajudaram a abrir as caixas e levarão um ano para catalogação do material.O Centro Ransom Harry, que vai abrigar toda a colecção privada de García Márquez, tornou-se um santuário único de literatura no mundo
García Márquez morreu em 17 de abril em sua casa no México aos 87 anos. Estava proibido de entrar nos Estados Unidos há décadas por sua atividade pró-comunista, mas, em seguida, ele se reuniu, por exemplo, com o presidente Bill Clinton, em 1994. Em 24 de novembro o Harry Ransom Center anunciou a aquisição do arquivo pessoal do Nobel.
A venda começou a ser negociada em dezembro de 2013, por iniciativa da família, e acabou por se materializar em julho. Um dia depois de receber o material, Stephen Enniss, diretor da instituição frequentada El Pais em seu escritório. "Eu adquiri para torná-lo acessível", explica ele.
A instituição, fundada em 1957 como centro de pesquisa, tem 50 anos. "Foi criado para fazer uma coleção de verdadeira distinção". Ele comprou um dos cinco Bíblias completas de Gutenberg que existem nos Estados Unidos, três cópias do primeiro fólio de Shakespeare, e o arquivo James Joyce. Hoje tem mais de 40 milhões de peças, incluindo 38.000 caixas de manuscritos.
A Universidade do Texas é conhecida no meio acadêmico norte-americano como tendo mais especialistas em país da América Latina. A compra deste arquivo transmite o compromisso da universidade para a América Latina. “Nosso desafio é garantir que o estudo irá envolver instituições latino-americanas", diz Hale.
Esta é a missão da Universidade do Texas. Isto não é para impressionar mitomaníacos. Mas para colocar à disposição do público as entranhas do processo criativo dos autores mais aclamados. "Este é o tipo de material que você quer", diz Barnard."Um pesquisador abre este e pode passar horas estudando o processo criativo deste autor. Imagine como isso é útil para os alunos". O Centro Ransom Harry recebe 10 mil pesquisadores por ano na sala de leitura.
Transcrito e traduzido
No ano passado...
Já repararam como é bom dizer "o ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem...Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraodinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:
"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".
Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado. Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.
"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".
Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado. Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.
Mário Quintana
segunda-feira, dezembro 29
Soneto
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Luís de Camões
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Luís de Camões
Contradições humanas da religião à intriga
O livro “Cartas da humanidade” - tradução e compilação de Márcio Borges, ex-Clube da Esquina com Milton Nascimento (494 páginas, Geração Editorial) – se baseia em documentação extraída de jornais, revistas, livros e internet. Começa com um documento importante sobre o Bem e o Mal segundo a visão de Zaratustra, sábio do Zoroatrismo, uma das primeiras religiões da humanidade, em 6000 a.C. Todos sabem quem foi o Zaratustra de Nietzsche, mas poucos conhecem o sábio real que havia por trás dessa criação do filósofo genial. O livro termina com Barack Obama, e a sua “Carta aberta ao povo de Illinois”, falando de esperança e mudança, em 2008.
Essas cartas vão desfilando reis antigos e suas guerras, disputas, rivalidades, inimizades e preconceitos; envolvendo figuras que estiveram próximas a intrigas palacianas que mudaram a história, e figuras que contam muito para a história da arte. Uma das inúmeras curiosidades que este livro traz é a mulher considerada a primeira autora em primeira pessoa da história da Literatura, a alta sacerdotisa do deus Nanna, En-Hedu-Ana, de Ur (hoje Iraque). Nos provérbios de Ki-en-Gir, da Suméria, 2600 a.C., no mais antigo idioma escrito, os caracteres cuneiformes sumerianos, pode ser encontrada uma pérola poética como esta: “Os pobres são o silêncio da terra”.
As cartas, no entanto, decolam de antigas civilizações e modos de vida que hoje nos parecem muito estranhos por seus costumes e preconceitos, para séculos mais avançados, sempre trazendo episódios de valor histórico inegável, ou de interesse estético, como as cartas do infeliz casal de amantes sacrificados pela religião, o padre Abelardo e a freira Heloísa. Ainda no tópico religião, há desde os cantos aos deuses misteriosos do antigo Egito, celebrando funerais de faraós, à epístola de São Tiago, única carta atribuída a este apóstolo, no século I, e ao testamento de São Francisco. As religiões podem ser as mais diferentes, do Cristianismo puro ao Islamismo, mas a essência poética do louvor aos deuses e a constatação da precariedade dos mortais são sempre iguais.
Estas cartas também passam por muitos nomes célebres da filosofia e da ciência, como Locke, Copérnico, Spinoza e Galileu. E passam igualmente pelo mundo das artes. Vamos encontrar, neste tópico, o trágico amor de Oscar Wilde pelo jovem Alfred Douglas, que o levou aos tribunais e o baniu da Inglaterra, expresso numa carta; uma carta atormentada do grande poeta Fernando Pessoa a seu amigo, também poeta, Mário de Sá-Carneiro, que se suicidou; uma carta do escritor negro americano James Baldwin atacando o racismo norte-americano; uma carta de William Faulkner pedindo desculpas a Hemingway por uma grosseria que cometeu; uma longa carta de William Burroughs falando de suas experiências com todo tipo de drogas perigosas; uma carta do dramaturgo Henry Miller para sua mulher, a lendária Marilyn Monroe; uma mensagem de Marlon Brando, enviada na pessoa de uma índia, não indo pessoalmente buscar seu Oscar por “O poderoso chefão”, preferindo mandá-la para atacar o genocídio dos indígenas norte-americanos; cartas do cineasta Pasolini a Godard e de homenagem de Jeanne Moreau a Orson Welles e muitas outras.
O Brasil não está fora desta longa compilação, com as cartas célebres de Anchieta e Pero Vaz de Caminha, e dois documentos da maior importância, que todo leitor sonha ter: a carta ao povo brasileiro, de Getúlio Vargas, antes de seu suicídio; e a declaração de renúncia do presidente Jânio Quadros à Presidência da República em 1961, e ainda cartas de Juscelino Kubitschek.
O drama humano está sempre presente nestes documentos, seja em forma de pressão de altos poderes junto a dignitários que carregam responsabilidades tremendas diante da humanidade, seja em forma de histórias de amor impossível, ou de preferências sexuais condenadas (ver sobre isso a curiosidade de um julgamento de um travesti na Inglaterra medieval e as declarações horrivelmente preconceituosas do nazista Heinrich Himmler sobre os homossexuais). O drama humano e a necessidade desesperada de deixar um recado para o mundo, em forma de louvor ou de repúdio, marcam este livro que precisa ser conhecido por todos que se interessam pelo ser humano e por sua trajetória ao longo da História.
domingo, dezembro 28
Fim
Quando Robinson Crusoé deixou a ilha,
que tristeza para o leitor do Tico-Tico.
Era sublime viver para sempre com ele e com Sexta-Feira,
na exemplar, na florida solidão,
sem nenhum dos dois saber que eu estava aqui.
Largaram-me entre marinheiros-colonos,
sozinho na ilha povoada,
mais sozinho que Robinson, com lágrimas
desbotando a cor das gravuras do Tico-Tico.
Carlos Drummond
de Andrade
Abrindo a festa para 2015
Toadinha de Ano Novo
Vinicius de Moraes
Ano pior só fazendo de encomenda: depois da morte de Kennedy, até Kruchev caiu. De modo que se escutarem um barulhão, não se assustem, é nada não... foi a Bomba que explodiu.
Mas já se foi, já se mandou... - valha-nos isso! - ano chato, ano difícil, ano contraproducente. E isso porque além de todo esse estrupício, deu um estranho panarício no dedo de muita gente.
Pelo meu lado eu até não digo nada: me casei com a minha amada, fui com ela pra Paris. Fiz meus sambinhas, tenho uns planos de cinema e a Garota de lpanema me deixou muito feliz. E se a saúde não fizer nenhum forfait, este Ano Novo até que vai ser muito fagueiro: vou tacar peito, vou fazer muito poema, e a Garota de Ipanema vai ser mãe em fevereiro. Pois tem um samba feito por mim e por Baden que - não sei, vocês aguardem... - tem um balanço legal; e que se for trabalhado pelo Ciro, aposto vai ser um tiro: vai estourar no carnaval!
Pois é, meus filhos, aí está 65... Vai entar tudo nos trilhos, como diz Roberto Campos. Se não entrar, resta a Barra da Tijuca e uma garrafa de uca enquanto se pescam uns pampos. Resta saber que no Quarto Centenário o carioca, esse otário, vai ter água pra chuchu. Pois tem morrido um bocado de operário pra aliviar nosso calvário com a adutora do Guandu. Resta pensar na folia de Rei Momo - carnaval de quem não come resolve qualquer problema. Quem ficar vivo, segundo a lei do mais forte, esteve mais perto da morte que mocinho de cinema.
De qualquer modo resta o tomara-que-seja; resta o que a gente deseja, como diz o amigo Guima. E a esperança é uma mulher tão à mão, que é até ingratidão a gente não dar-lhe em cima.
Por isso, amigos, que este ano recém-nato, ao contrário do transacto, lhes chegue de fraldas limpas; e vocês tenham um milhão de coisas boas e possam ver suas pessoas num espelho mais bonito.
Que vocês tenham mais Jobim e mais Caymmi; mais paixão e menos crime; mais Zé Kéti e Opinião. E Zicartola continue sua escola com essa branquinha pachola que se chama Nara Leão.
Pois a verdade é que tudo se renova: bossa velha fica nova, o que eu acho muito bem. Só não renova quem já está com o pé na cova, quem não cria e não desova, quem não gosta de ninguém.
Que vocês tenham mais Drummond e mais Bandeira, e eles deixem de leseira e venham mais para a rua. E que Schmidt, em lugar de dar palpite, venda com mais apetite no Disco da velha Lua.
Que João Gilberto continue longe e perto, cantando pelo deserto seu canto de solidão. Canto que vende para a causa brasileira muito mais que o Bemoreira, o Rei da Voz e o Dragão.
Que a linda Astrud nos mande mais amiúde, de Nova York ou Hollywood, os ecos de sua voz; voz que faz mais por nossos pobres Cr$ do que os trustes estrangeiros que proliferam entre nós.
Que esses meninos tão bons do Cinema Novo mostrem mais ao nosso povo sua força e seu poder; e que através da mensagem de seus filmes evitem maiores crimes que inda podem acontecer.
Que a Bardotzinha volte sempre para Búzios e quando queira use e abuse dos nossos encantos mil: ou sejam os mares, os solstícios, os luares, os poentes e os madrugares que dão sopa no Brasil. Porque em matéria de exploração estrangeira, é a única verdadeira, que toma mas também dá. E que ela seja ao lado de seu Zaguri um truste que sempre dure na terra do sabiá.
Que Pixinguinha, já curado seu enfarte, nos dê mais de sua arte de sambista e de "chorão". E essa figura chamada Ciro Monteiro balance o Brasil inteiro com a voz do seu coração.
Que nasçam poemas, nasçam canções, nasçam filhos; e se terminem os exílios e se exerça mais perdão. E brotem flores das dragonas militares e não mais se assustem os lares com esses tiros de canhão. Que todos se unam, se protejam, apertem os cintos; se reúnam nos recintos com esperança brasileira. E que se dê de comer a quem não come, porque o povo passa fome: e a Fome é má conselheira...
Que o Rei Pelé faça gols por toda parte; e Di Cavalcanti, arte; e o Congresso, leis honestas. E Rubem Braga escreva crônicas lindas; e o Poder crie mais Dimas do que tem criado Gestas.
E - que diabo! - que eles voltem, meus parceiros... Estão todos no estrangeiro. Que fazem vocês aí? Voltem depressa, venham logo para casa, que é pra gente mandar brasa ao som do Quarteto em Cy.
E finalmente que eu, pequeno mas decente, siga sempre para a frente com meu amor ao meu lado. E ela me dê no mais próximo presente, o presente de um futuro sem as dores do passado.
'Correio' reeditado
Arnhem – Holanda
Cá temos uma cidade na qual gostaria de morar. Suponho que outro brasileiro já teve a mesma ideia, pelo menos, no jardim público há uma estátua de braço quebrado, e no lavabo do hotel, uma sublime inscrição.
Vaticano
As maiores decepções da minha vida – as pinturas da Capela Sistina e as coxas de uma Miss Espírito Santo, que eu vi na praia.
Nápoles
- Como Nápoles é bela!
- Toda a Itália é bela! – inflama-se a gorda.
- Belíssima – canta o coro.
- Mas onde eu posso ouvir uma canção típica? – quer saber Venceslau, espanhol de bigodinho.
- Só em Paris, meu caríssimo.
Paris
– Paris é uma delícia!
E ela me diz isso, a linda patriciazinha, com tal explosão de sinceridade, que não discordo, apenas concluo que delícia é uma chatice diferente.
Cá temos uma cidade na qual gostaria de morar. Suponho que outro brasileiro já teve a mesma ideia, pelo menos, no jardim público há uma estátua de braço quebrado, e no lavabo do hotel, uma sublime inscrição.
Vaticano
As maiores decepções da minha vida – as pinturas da Capela Sistina e as coxas de uma Miss Espírito Santo, que eu vi na praia.
Nápoles
- Como Nápoles é bela!
- Toda a Itália é bela! – inflama-se a gorda.
- Belíssima – canta o coro.
- Mas onde eu posso ouvir uma canção típica? – quer saber Venceslau, espanhol de bigodinho.
- Só em Paris, meu caríssimo.
Paris
– Paris é uma delícia!
E ela me diz isso, a linda patriciazinha, com tal explosão de sinceridade, que não discordo, apenas concluo que delícia é uma chatice diferente.
Marques Rebelo
sábado, dezembro 27
Livros são mágicos
Um livro é fabricado a partir de uma árvore. É um conjunto de peças flexíveis, planos (ainda chamado de "folhas") impresso com rabiscos pigmentados escuros. Um olhar para ela e você ouvir a voz de outra pessoa, talvez alguém morto há milhares de anos. Através dos milênios, o autor está falando, de forma clara e em silêncio, dentro da sua cabeça, diretamente para você. Escrever é talvez a maior das invenções humanas, que une as pessoas, os cidadãos de épocas distantes, que nunca conheceram um ao outro. Livros rompem as amarras do tempo - a prova de que os seres humanos podem fazer mágica
Carl Sagan
'Pedrinho' livre de advertência sobre racismo
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, rejeitou um mandado de segurança que pedia a inclusão de uma nota explicativa sobre racismo no livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, distribuído pelo governo federal no Programa Nacional Biblioteca na Escola. A ação pedia ainda a capacitação de professores sobre o tema. Cabe recurso ao plenário do Supremo. A celeuma teve início em 2010, quando um parecer do Conselho Nacional de Educação recomendou a não distribuição da obra ou a veiculação da tal nota explicativa, sob o argumento de que o livro de Lobato é racista. A personagem negra Tia Nastácia, por exemplo, é comparada na obra a uma "macaca de carvão". Em razão da repercussão negativa, o Ministério da Educação pediu a revisão do parecer por avaliar que a contextualização de obras desse tipo por parte dos professores, munidos de obras de referência, já seria suficiente.
Quem se interessa pelo leitor?
Em um breve artigo intitulado "A leitura fora do livro", disponível na web, Lucia Santaella oferece uma tipologia do leitor.
Para a teórica da comunicação, especializada na semiótica de Pierce, há ao menos três tipos de leitor: o meditativo, o fragmentado e o virtual.
Surgiram em momentos diferentes na história da leitura, mon cher, mas um não substituiu os outros. Ao longo do tempo, os três aprenderam a conviver.
O leitor meditativo nasceu na era pré-industrial. É o homem renascentista, contemplativo, sem pressa, acostumado a manusear longamente um livro e a observar demoradamente uma pintura.
O leitor fragmentado, muito mais jovem, nasceu na revolução industrial. É o cidadão metropolitano, apressado, de memória curta. É o leitor de jornal, primeiro grande rival do livro.
O leitor virtual, mais jovem ainda, surgiu no início da revolução digital agora em curso. É o leitor da era do hiperlinque, apressadíssimo, já acostumado a navegar no hiperespaço.
Para o leitor meditativo a leitura é tão sólida quanto um livrão de capa dura.
Para o leitor fragmentado a leitura é flexível feito um jornal impresso.
]Para o leitor virtual a leitura é volátil feito uma nuvem viajante, multimídia.
sexta-feira, dezembro 26
Não é deus
Não devemos cair na idolatria dos objetos porque o livro eletrônico não é nenhum deus, a leitura sobre o suporte que for requer sempre o mesmo ritual de silêncio, atenção, reflexão e interpretação. Esse é o legado que os séculos nos deixaram e que temos que salvarCésar Antonio Molina, ex-ministro espanhol da Cultura
Antologia dos poetas paranaenses
A história da poesia paranaense acaba de ganhar um novo capítulo. A coletânea “101 poetas paranaenses — antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI”, editada pela Biblioteca Pública do Paraná, por meio do Núcleo de Edições da Secretaria de Estado da Cultura, traz ao leitor uma inédita compilação da lírica do Estado.
Organizada pelo poeta e crítico Ademir Demarchi, a antologia está dividida em dois volumes, cada um com tiragem de 1.500 exemplares, que, juntos, somam mais de 800 páginas. As publicações serão distribuídas gratuitamente a todas as bibliotecas públicas do Paraná e instituições culturais do país. No volume um estão 50 poetas nascidos entre a primeira metade do século XIX e a segunda metade do século XX. Já o volume dois traz 51 autores nascidos entre 1959 e 1993.
“Em vez de uma antologia que se baseasse apenas em alguns poucos autores tidos como fundacionais, por isso já instituídos nas leituras feitas por críticos e nas republicações de suas obras, preferi uma forma mais ampla, rizomática, de lidar com o cenário, encarando-se o risco da pesquisa extensa que levou ao significativo número de 101 poetas”, explica Ademir Demarchi. Em sua pesquisa, ele leu e consultou mais de 300 obras de autores paranaenses, em um trabalho que se desenvolveu ao longo de um ano e meio.
O diretor da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira, afirma que a produção poética paranaense é intensa, desde quando o Paraná se emancipou de São Paulo, em 1853, até hoje. “É impressionante a quantidade de poetas paranaenses. Esta antologia reúne desde Dario Vellozo e Emiliano Perneta, alguns dos mais antigos, passando por Helena Koldy e Sérgio Rubens Sossélla, até chegar aos contemporâneos, muitos dos quais publicando em sites e blogs”, diz Pereira.
“Em vez de uma antologia que se baseasse apenas em alguns poucos autores tidos como fundacionais, por isso já instituídos nas leituras feitas por críticos e nas republicações de suas obras, preferi uma forma mais ampla, rizomática, de lidar com o cenário, encarando-se o risco da pesquisa extensa que levou ao significativo número de 101 poetas”, explica Ademir Demarchi. Em sua pesquisa, ele leu e consultou mais de 300 obras de autores paranaenses, em um trabalho que se desenvolveu ao longo de um ano e meio.
O diretor da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira, afirma que a produção poética paranaense é intensa, desde quando o Paraná se emancipou de São Paulo, em 1853, até hoje. “É impressionante a quantidade de poetas paranaenses. Esta antologia reúne desde Dario Vellozo e Emiliano Perneta, alguns dos mais antigos, passando por Helena Koldy e Sérgio Rubens Sossélla, até chegar aos contemporâneos, muitos dos quais publicando em sites e blogs”, diz Pereira.
Um livro, um filme
“E o vento levou” já era venerado e consumido pelos leitores a ponto da jornalista Margareth Mitchell (1900-1949) se tornar uma celebridade de Atlanta, no estado da Geórgia. Em apenas seis meses, o único romance de Mitchell publicado em vida vendeu um milhão de cópias nos Estados Unidos. Com o sucesso, a escritora tornou-se rica e voltou-se para a filantropia até morrer atropelada por um táxi em Atlanta.
A obra foi, ao longo do tempo, traduzida para 32 línguas, e ainda hoje são vendidas 80 mil cópias do livro todos os anos.
'Romances, tão ambíguos quanto a vida'
“Meu cardiologista vai brigar comigo por sair fumando nas fotos”, diz Javier Marías em sua casa de Madri, a cidade onde nasceu em setembro de 1951. Seu cardiologista é o doutor José Manuel Vidal, convertido em personagem de "‘Así empieza lo malo" (Manantial), o romance escolhido pelos críticos da Babelia como melhor livro de 2014. A escolha, conta, surpreendeu-o. “Por duas razões. Uma, porque este ano foi excepcional quanto a livros importantes de escritores importantes: Marsé, Muñoz Molina, Landero, Cercas, Luis Mateo Díez, Gimferrer na poesia, Ferrer Lerín, Guelbenzu… Não li todos mas algum melhor tem de haver. A segunda, porque escrevo cada novo romance mais às escuras e com menos fé. Além disso, surpreende-me que, 43 anos depois de publicar meu primeiro romance, o que faço ainda possa continuar vigente quando tudo cansa tão rapidamente. As pessoas devem estar enjoadas de mim”. Perguntado qual o seu livro do ano particular, toma partido da poesia de Mark Strand, o escritor americano falecido no mês passado que conheceu quando se mudou para Madri. “Ainda acho a poesia a mais alta expressão literária possível”, diz o romancista.
Leia mais a entrevista de Marías
quinta-feira, dezembro 25
Natal
É noite de Natal, e estou sozinho na casa de um amigo, que foi para a fazenda. Mais tarde talvez saia. Mas vou me deixando ficar sozinho, numa confortável melancolia, na casa quieta e cômoda. Dou alguns telefonemas, abraço à distância alguns amigos. Essas poucas vozes, de homem e de mulher, que respondem alegremente à minha, são quentes, e me fazem bem, "Feliz Natal, muitas felicidades!"; dizemos essas coisas simples com afetuoso calor; dizemos e creio que sentimos; e como sentimos, merecemos. Feliz Natal!
Desembrulho a garrafa que um amigo teve a lembrança de me mandar ontem; vou lá dentro, abro a geladeira, preparo um uísque, e venho me sentar no jardinzinho, perto das folhagens úmidas. Sinto-me bem, oferecendo-me este copo, na casa silenciosa, nessa noite de rua quieta. Este jardinzinho tem o encanto sábio e agreste da dona da casa que o formou. É um pequeno espaço folhudo e florido de cores, que parece respirar; tem a vida misteriosa das moitas perdidas, um gosto de roça, uma alegria meio caipira de verdes, vermelhos e amarelos.
Penso, sem saudade nem mágoa, no ano que passou. Há nele uma sombra dolorosa; evoco-a neste momento, sozinho, com uma espécie de religiosa emoção. Há também, no fundo da paisagem escura e desarrumada desse ano, uma clara mancha de sol. Bebo silenciosamente a essas imagens da morte e da vida; dentro de mim elas são irmãs. Penso em outras pessoas. Sinto uma grande ternura pelas pessoas; sou um homem sozinho, numa noite quieta, junto de folhagens úmidas, bebendo gravemente em honra de muitas pessoas.
De repente um carro começa a buzinar com força, junto ao meu portão. Talvez seja algum amigo que venha me desejar Feliz Natal ou convidar para ir a algum lugar. Hesito ainda um instante; ninguém pode pensar que eu esteja em casa a esta hora. Mas a buzina é insistente. Levanto-me com certo alvoroço, olho a rua e sorrio: é um caminhão de lixo. Está tão carregado, que nem se pode fechar; tão carregado como se trouxesse todo o lixo do ano que passou, todo o lixo da vida que se vai vivendo. Bonito presente de Natal!
0 motorista buzina ainda algumas vezes, olhando uma janela do sobrado vizinho. Lembro-me de ter visto naquela janela uma jovem mulata de vermelho, sempre a cantarolar e espiar a rua. É certamente a ela quem procura o motorista retardatário; mas a janela permanece fechada e escura. Ele movimenta com violência seu grande carro negro e sujo; parte com ruído, estremecendo a rua.
Volto à minha paz, e ao meu uísque. Mas a frustração do lixeiro e a minha também quebraram o encanto solitário da noite de Natal. Fecho a casa e saio devagar; vou humildemente filar uma fatia de presunto e de alegria na casa de uma família amiga.
Rubem Braga (1913-1990)
quarta-feira, dezembro 24
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Vinicius de Moraes
Natal na ilha do Nanja
Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam "substantivos próprios" e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim.
Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.
Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: "Boas Festas! Boas Festas!"
E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores ! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!
Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.
Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com. pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só.
É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.
Cecília Meireles (1901-1964)
Literatura de Natal
Versos de Natal
Manuel Bandeira (1886-1968)
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
Mamãe Noel
Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.
Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritá ria da Superfestas? Não é o bom velhinho.
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.
Martha Medeiros (dezembro de 1998)
Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritá ria da Superfestas? Não é o bom velhinho.
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.
Martha Medeiros (dezembro de 1998)
terça-feira, dezembro 23
Assim começa o livro...
Antes de abordar o drama ocorrido em dezembro, acho útil explicar como fiquei conhecendo Bruno e como se atou nossa amizade.
Literatura de Natal
Presentes de Natal
Nestor de Holanda (Nestor de Hollanda Cavalcanti Neto, 1921-1970)
Houve o Natal do carneirinho manso, que meu pai me deu para ser saudade hoje. Houve o da flauta, o do velocípede, o da bicicleta.
Depois, o das obras de Júlio Verne.
Mais adiante, o da Enciclopédia e Dicionário Internacional.
Um dia, fui visitar casa amiga. E a empregada me anunciou:
— Aí está um rapaz.
Desde então, o Natal se foi transformando em pijamas, camisas, gravatas, lenços.
Noutra visita:
— Aí está um moço.
Notem que, no caso, moço é mais velho que rapaz...
Meu Natal passou a faturar abotoaduras, alfinetes de gravata, carteiras de cédulas ou de níqueis, cintos e agendas.
Agora, quando visito algum amigo, as empregadas me anunciam:
— Aí está um senhor.
Quando o dono da casa é cortês, ri:
— Que senhor, que nada, Maria. É o Iolando. Entra velho.
O velho em tom fraterno, remoça mais a gente. Acho horrível ser senhor.
Assim, o último Natal me deixou mágoa estranha. Porque pessoa querida, das que sempre me presentearam no nascimento do Cristo, apareceu com uma caixinha embrulhada em papel multicolor. Todo alegria, abri o embrulho e a caixinha.
Eram uns suspensórios!...
Declaração em 30 artigos e 30 artistas
Os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cada qual ilustrado por um artista brasileiro, compõem a nova publicação da Editora Instituto Vladimir Herzog, realizada em parceria com o Ministério da Cultura, Governo Federal e Caixa Econômica Federal. O livro, com design gráfico de Chico Homem de Melo, conta com dos seguintes artistas: Aldemir Martins, Amélia Toledo, Antonio Henrique Amaral, Beth Turkieniez, Cildo Oliveira, Claudio Tozzi, Ermelindo Nardin, Evandro Carlos Jardim, Fernando Lemos, Gilberto Salvador, Gustavo Rosa, Hermelindo Fiaminghi, João Rossi, José Guyer Salles, José Zaragoza, Luiz Paulo Baravelli, Marcello Nitsche, Maria Bonomi, Mário Gruber, Maurício Nogueira Lima, Octávio Araújo, Paulo Caruso, Renina Katz, Roberto Micoli, Samuel Szpigel, Savério Castellano, Sônia Von Brusky, Ubirajara Ribeiro, Zélio Alves Pinto, Zoravia Bettiol.
A publicação conta ainda com uma biografia de cada artista, além de dois ensaios relevantes para o tema. Flávia Piovesan, jurista reconhecida por sua militância na causa dos direitos humanos, colabora com o texto “Declaração Universal dos Direitos Humanos: Origem, Significado e Impacto”, que conta a história da Declaração da ONU e suas consequências. Fábio Magalhães, conselheiro do Instituto Vladimir Herzog, também contribui com texto intitulado “Trinta Gravuras Sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, bem como com notas sobre arte e preocupação social no Brasil.
A publicação conta ainda com uma biografia de cada artista, além de dois ensaios relevantes para o tema. Flávia Piovesan, jurista reconhecida por sua militância na causa dos direitos humanos, colabora com o texto “Declaração Universal dos Direitos Humanos: Origem, Significado e Impacto”, que conta a história da Declaração da ONU e suas consequências. Fábio Magalhães, conselheiro do Instituto Vladimir Herzog, também contribui com texto intitulado “Trinta Gravuras Sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, bem como com notas sobre arte e preocupação social no Brasil.
segunda-feira, dezembro 22
Como livro virou ícone da contracultura
Em um tempo de sexo, drogas e rock'n roll – sem falar em protestos contra a Guerra do Vietnã e marchas por direitos civis e das mulheres – quem diria que um grande papel de influência foi desempenhado por um filólogo cristão de Oxford?
Mas nos anos 1960, em um tempo de mudanças sociais aceleradas nos Estados Unidos, os livros "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis", de JRR Tolkien, se tornaram leitura obrigatória para a contracultura que nascia na época. As obras eram devoradas por estudantes, artistas, escritores, roqueiros e outros intelectuais mentores da mudança cultural. Slogans como "Frodo vive" e "Gandalf para Presidente" eram pichados nas estações de metrô de diversas partes do mundo.
A Terra Média – o universo mítico meticulosamente criado por JRR Tolkien – começou a nascer entre as duas grandes guerras mundiais. Professor de línguas em Oxford, Tolkien lecionava anglo-saxão, islandês arcaico e galês medieval.
Sua visão fantasiosa, com a ideia de que o mau está a espreita, ameaçando o bem, surgiu de sua experiência como católico devoto, e também como alguém que perdeu muitos amigos e familiares na Primeira Guerra Mundial.
"Os Pântanos Mortos e a região de Morannon se assemelham ao norte da França, que foi palco da Batalha de Somme", escreveu Tolkien em uma carta nos anos 1960.
A saga de Frodo e Sam para chegar a Mordor é inspirada nos tormentos dos jovens soldados que combateram no front ocidental durante a guerra.
Os livros sempre tiveram uma certa popularidade desde seu surgimento – "O Hobbit" em 1937 e "O Senhor dos Anéis" em 1954 (primeiro volume). Mas eles explodiram em um fenômeno cultural de massa de verdade apenas nos anos 1960.
Hoje em dia, os mágicos, anões e orcs do imaginário de Tolkien parecem coisa de "nerds" aficcionados por histórias em quadrinhos. Mas o primeiro público a realmente cultuar esse universo foi o "hippie". Como isso aconteceu?
O consumo de drogas nos livros de Tolkien pode ajudar a explicar a sua popularidade nos anos 1960. Muitos dos personagens da Terra Média usam plantas alucinógenas.
Leia mais a reportagem
Se aborrecer...
Faço com livros o que faço com filmes: se me aborrecer, largo no meio – ou mesmo no início. A vida é curta e são muitos os livros que ainda não li por falta de tempo. Com ficção costumo ser implacável. Se um romance ou uma novela não me seduz, não me intriga, começo a me cobrar por que, diabos, não estou relendo Flaubert
Sérgio Augusto
Literatura de Natal
Certas Esperanças
Stanislaw Ponte Preta
embrulhinhos, querer mais intensamente, oferecer com mais prodigalidade, manter o sorriso e, acima de tudo, esquecer tristezas e saudades.
Façamos um supremo esforço para lembrar e sermos lembrados, porque assim manda a tradição e é difícil esquecer à tradição. Enviemos cartões e telegramas de felicitações àqueles que amamos e também àqueles que — sabemos perfeitamente — não gostam da gente. O Correio, nesta época do ano, finge-se de eficiente e já lá tem prontos impressos para que desejemos coisas boas aos outros, nivelando a todos em nossos augúrios.
Depois de abraçar e ser abraçado, desejar sincera e indiferentemente, embrulhar e desembrulhar presentes, cada um poderá fazer votos a si mesmo, desejar para si o que bem entender. Subindo na escala das idades, este sonhou todo o mês com um trenzinho elétrico, aquele com uma bicicleta (com farol e tudo), o outro certa moça, mais além um quarto sonhador esteve a remoer a idéia de ser ministro e o rico... bem, o rico só pensa em ser mais rico. O rico detesta amistosamente os ministros, já não tem olhos para a graça da moça, pernas para pedalar uma bicicleta e, muito menos, tempo para brincar com um trenzinho.
Dos planos de cada um, pouquíssimos serão transformados em realidade. Alguns hão de abandoná-los por desleixo e a maioria, mal o ano de 56 começar, não pensará mais nele, por pura desesperança. O melhor, portanto, é não fazer planos. Desejar somente, posto que isso sim, é humano e acalentador.
De minha parte estou disposto a esquecer todas as passadas amarguras, tudo que o destino me arranjou de ruim neste ano que finda. Ficarei somente com as lembranças do que me foi grato e me foi bom.
No mais, desejarei ficar como estou porque, se não é o que há de melhor, também não é tão ruim assim e, tudo somado, ficaram gratas alegrias. Que Deus me proporcione as coisas que sempre me foram gratas e que — Ele sabe — não chegam a fazer de mim um ambicioso.
Que não me falte aquele almoço honesto dos sábados (único almoço comível na semana), com aquele feijão que só a negra Almira sabe fazer; que não me falte o arroz e a cerveja — é muito importante a cerveja, meu Deus! —, como é importante manter em dia o ordenado da Almira.
Se não me for dado comparecer às grandes noites de gala, que fazer? Resta-me o melhor, afinal, que é esticar de vez em quando por aí, transformando em festa uma noite que poderia ser de sono.
E para os pequenos gostos pessoais, que me reste sensibilidade bastante para entretê-las. Ai de mim se começo a não achar mais graça nos pequenos gostos pessoais. Que o perfume do sabonete, no banho matinal, seja sempre violeta; que haja um cigarro forte para depois do café; uma camisa limpa para vestir; um terno que pode não ser novo, mas que também não esteja amarrotado. Uma vez ou outra, acredito que não me fará mal um filme da Lollobrigida, nem um uísque com gelo ou — digamos — uma valsa.
Nada de coisas impossíveis para que a vida possa ser mais bem vivida. Apenas uma praia para janeiro, uma fantasia para fevereiro, um conhaque para junho, um livro para agosto e as mesmas vontades para dezembro.
No mais, continuarei a manter certas esperanças inconfessáveis porém passíveis — e quanto — de acontecerem.
Publicada na revista "Manchete" nº. 193, de 31/12/55
domingo, dezembro 21
Os livros infantis são realmente inocentes?
Quando eu era criança, muitos dos meus livros favoritos tinham como tema a comida. Um deles contava a história de um menino que ajudou a salvar uma pequena lanchonete ao se tornar um detetive gourmet que conseguiu recuperar um ingrediente secreto perdido.
Muito tempo depois de ter esquecido do livro e seu título, estive em Edimburgo para entrevistar Alexander McCall Smith. Ele já era o autor campeão de vendas por trás da série Agência Nº 1 de Mulheres Detetives, mas, anos antes, tinha escrito alguns livros infantis. E em uma prateleira de sua estante lá estava "The Perfect Hamburger".
Era o meu livro. Só que não exatamente. Sim, os hambúrgueres ainda eram descritos com detalhes de lamber os beiços, mas dessa vez ficou claro para mim que, na realidade, The Perfect Hamburger é um conto sobre a ganância corporativa e o destino de pequenas empresas obrigadas a competir com as grandes redes.
Reler livros infantis na idade adulta pode gerar todo o tipo de mensagens subentendidas, algumas mais evidentes do que outras. O clássico "Como o Grinch Roubou o Natal", de Dr. Seuss, é uma parábola sobre o consumismo. E por que não parece óbvio que a série "As Crônicas de Nárnia", de C.S. Lewis, é uma fantástica reinvenção da teologia cristã?
Da mesma maneira, uma leitura mais atenta transformou os livros do urso Paddington em fábulas sobre a imigração, e as histórias do elefante Babar em um endosso do colonialismo francês.
As aventuras de "Alice no País das Maravilhas" já foram interpretadas de várias formas – de uma ode à lógica matemática a uma sátira à Guerra das Duas Rosas, ou ainda a uma viagem psicodélica à base de drogas. Quanto a "O Mágico de Oz": ora, evidentemente, trata-se de uma representação alegórica do debate em torno da política monetária americana no fim do século 19.
"Nunca é demais tentar buscar um significado mais profundo", afirma Alison Waller, professora de Literatura Infantil da Universidade de Roehampton, na Grã-Bretanha.
Literatura de Natal
Cartão de Natal
João Cabral de Melo Neto
Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de voo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca
esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.
Assinar:
Postagens (Atom)