Foi por volta das duas da manhã que, erguendo-se no meio de uma pitoresca desordem de volumes e de móveis, Charlotte exclamou:
- Mas que boba eu sou! Esse poema, eu tinha começado a ler para você e sua irmã, no verão passado, lembra? E depois... Não sei mais. Enfim, paramos na primeira estrofe. Então ele deve estar aqui.
E Charlotte se inclinou para um pequeno armário perto da porta do balcão, abriu-o e, ao lado de um chapéu de palha, vimos o tal livro.
Sentado no tapete, eu a ouvia ler. Um abajur posto no chão iluminava seu rosto. Na parede, nossas silhetas se desenhavam com uma precisão alucinante. De tempo em tempo, uma lufada de ar frio vindo da estepe noturna se engolfava pela porta do balcão. A voz de Charlotte tinha a tonalidade das palavras cujo eco se ouve anos depois delas nascerem.
Andrei
Makine, "O testamento francês"
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