terça-feira, dezembro 16

Viagem literária à origem do horror da Operação Condor


As lembranças carregadas de indignação e dor chegaram a galope para Edgard Telles Ribeiro naquele dia de 2008, quando sua filha Adriana, de 21 anos, lhe perguntou: “Por que você nunca falou sobre os anos de repressão no Brasil aqui em casa?”.

Silêncio. Desconforto.

Telles Ribeiro nunca tinha falado desse passado trágico que conhecia tão bem, não só em seu país mas também em toda a América do Sul. Ele começou sua vida profissional como diplomata, em 1966, dois anos depois do golpe militar brasileiro que instalaria uma ditadura até 1985 e que inauguraria um dos capítulos mais dramáticos da história latino-americana recente: as seis ditaduras do Cone Sul que viriam a entrar para a história como Operação Condor (Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia e Argentina). Uma manobra orquestrada pela CIA para controlar a região, em aliança com a direita e com os militares desses países, que coordenavam ações para reprimir os opositores. O resultado: milhares de pessoas mortas, desaparecidas, torturadas, presas e reprimidas de todas as maneiras, além de uma desestabilização social e a implantação de um sistema de corrupção e impunidade que ainda sobrevive.

Tudo começou ali. No Brasil, na noite de 31 de março de 1964, com a derrubada do presidente João Goulart. É o início de “O Punho e a Renda” (Record), título que Telles Ribeiro escolheu para o romance criado a partir da pergunta de sua filha. Um sinal desse terror que serviu de laboratório, porque “depois do Brasil (1964), os outros países caíram sob o controle militar como um baralho de cartas: a Argentina (em 1966 e depois em 1976), o Uruguai e o Chile (ambos em 1973)”.

Com o passar dos anos, todos esses países trouxeram à tona os fatos do passado. Faltava o Brasil. O país finalmente o fez esta semana, ao divulgar o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, encomendado pela presidenta Dilma Rousseff (ela mesma vítima da repressão). O documento revela um total de 434 vítimas mortas ou desaparecidas, além de 377 responsáveis, 191 dos quais continuam vivos. Uma revelação que, para o escritor, significa ao mesmo tempo “vitória e frustração”. “Vitória porque tem uma enorme importância moral, mas frustração porque dificilmente terá resultados práticos e concretos. Os responsáveis, como as Forças Armadas, negaram tudo e, além disso, com a Lei da Anistia, ninguém será preso”.

Prova da sina que persegue a América Latina como terreno fértil para os tiranos. Um testemunho que ficou gravado em grandes obras que vão de O Senhor Presidente, de Miguel Ángel Asturias, a A Festa do Bode, de Mario Vargas Llosa (Alfaguara Brasil), passando por Eu, o Supremo, de Augusto Roa Bastos, e O Outono do Patriarca, de Gabriel García Márquez (Record).

“O Punho e a Renda” mantém essa tradição de contar, denunciar e tentar explicar o ocorrido. Dessa vez não só em um país, nem como arquétipo de nada, mas sim, partindo de um diplomata brasileiro, como um relato dos meandros da criação de um emaranhado de cumplicidades até a confecção de uma rede de poderes autocráticos na região.

Quando sua filha pediu a Telles Ribeiro seu testemunho, ele se deu conta de que tinha toda uma história bloqueada dentro de si. “Salvo algumas exceções, isso aconteceu com vários de meus contemporâneos. Demoramos muito para digerir nosso passado e transformá-lo em literatura. Diferentemente dos historiadores e dos jornalistas, que felizmente produziram uma obra memorável sobre o assunto no Brasil”, conta o escritor e cineasta brasileiro nascido em Valparaíso (Chile), em 1944, quando seu pai trabalhava ali em serviço diplomático. Telles Ribeiro se aposentou depois de 48 anos de trabalho, principalmente na área cultural, em países como Estados Unidos, Nova Zelândia, Malásia e Tailândia, além da ONU.

Assim, aquela pergunta de 2008 desencadeou nele uma série de lembranças, enquanto outra parte de seu cérebro tentava buscar uma maneira de narrar essa tragédia. Começou a escrever no dia seguinte. Tinha clareza de que “não iria falar sobre a ditadura do Brasil e seus horrores, mas sim contar a história de Max, um grande filho da p..., inspirado em várias pessoas porque, ao seguir sua vida e transformá-lo, eu poderia criar um romance sobre as ditaduras da região”.

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