domingo, dezembro 28

Abrindo a festa para 2015

Toadinha de Ano Novo


Vinicius de Moraes

E foi-se o ano - ano bissexto arrenegado! - ano ruim, ano safado, ano assim nunca se viu! Levou Aníbal, levou Antônio Maria, levou tanta poesia com Cecília que partiu... Levou Ari e levou Álvaro Moreyra (nunca vi ano bissexto pra fazer tanta besteira!). E não contente - eta aninho contundente! - ainda deixa pra semente tanto estorvo pro Brasil!...

Ano pior só fazendo de encomenda: depois da morte de Kennedy, até Kruchev caiu. De modo que se escutarem um barulhão, não se assustem, é nada não... foi a Bomba que explodiu.

Mas já se foi, já se mandou... - valha-nos isso! - ano chato, ano difícil, ano contraproducente. E isso porque além de todo esse estrupício, deu um estranho panarício no dedo de muita gente.

Pelo meu lado eu até não digo nada: me casei com a minha amada, fui com ela pra Paris. Fiz meus sambinhas, tenho uns planos de cinema e a Garota de lpanema me deixou muito feliz. E se a saúde não fizer nenhum forfait, este Ano Novo até que vai ser muito fagueiro: vou tacar peito, vou fazer muito poema, e a Garota de Ipanema vai ser mãe em fevereiro. Pois tem um samba feito por mim e por Baden que - não sei, vocês aguardem... - tem um balanço legal; e que se for trabalhado pelo Ciro, aposto vai ser um tiro: vai estourar no carnaval!

Pois é, meus filhos, aí está 65... Vai entar tudo nos trilhos, como diz Roberto Campos. Se não entrar, resta a Barra da Tijuca e uma garrafa de uca enquanto se pescam uns pampos. Resta saber que no Quarto Centenário o carioca, esse otário, vai ter água pra chuchu. Pois tem morrido um bocado de operário pra aliviar nosso calvário com a adutora do Guandu. Resta pensar na folia de Rei Momo - carnaval de quem não come resolve qualquer problema. Quem ficar vivo, segundo a lei do mais forte, esteve mais perto da morte que mocinho de cinema.

De qualquer modo resta o tomara-que-seja; resta o que a gente deseja, como diz o amigo Guima. E a esperança é uma mulher tão à mão, que é até ingratidão a gente não dar-lhe em cima.

Por isso, amigos, que este ano recém-nato, ao contrário do transacto, lhes chegue de fraldas limpas; e vocês tenham um milhão de coisas boas e possam ver suas pessoas num espelho mais bonito.

Que vocês tenham mais Jobim e mais Caymmi; mais paixão e menos crime; mais Zé Kéti e Opinião. E Zicartola continue sua escola com essa branquinha pachola que se chama Nara Leão.

Pois a verdade é que tudo se renova: bossa velha fica nova, o que eu acho muito bem. Só não renova quem já está com o pé na cova, quem não cria e não desova, quem não gosta de ninguém.

Que vocês tenham mais Drummond e mais Bandeira, e eles deixem de leseira e venham mais para a rua. E que Schmidt, em lugar de dar palpite, venda com mais apetite no Disco da velha Lua.

Que João Gilberto continue longe e perto, cantando pelo deserto seu canto de solidão. Canto que vende para a causa brasileira muito mais que o Bemoreira, o Rei da Voz e o Dragão.

Que a linda Astrud nos mande mais amiúde, de Nova York ou Hollywood, os ecos de sua voz; voz que faz mais por nossos pobres Cr$ do que os trustes estrangeiros que proliferam entre nós.

Que esses meninos tão bons do Cinema Novo mostrem mais ao nosso povo sua força e seu poder; e que através da mensagem de seus filmes evitem maiores crimes que inda podem acontecer.

Que a Bardotzinha volte sempre para Búzios e quando queira use e abuse dos nossos encantos mil: ou sejam os mares, os solstícios, os luares, os poentes e os madrugares que dão sopa no Brasil. Porque em matéria de exploração estrangeira, é a única verdadeira, que toma mas também dá. E que ela seja ao lado de seu Zaguri um truste que sempre dure na terra do sabiá.

Que Pixinguinha, já curado seu enfarte, nos dê mais de sua arte de sambista e de "chorão". E essa figura chamada Ciro Monteiro balance o Brasil inteiro com a voz do seu coração.

Que nasçam poemas, nasçam canções, nasçam filhos; e se terminem os exílios e se exerça mais perdão. E brotem flores das dragonas militares e não mais se assustem os lares com esses tiros de canhão. Que todos se unam, se protejam, apertem os cintos; se reúnam nos recintos com esperança brasileira. E que se dê de comer a quem não come, porque o povo passa fome: e a Fome é má conselheira...

Que o Rei Pelé faça gols por toda parte; e Di Cavalcanti, arte; e o Congresso, leis honestas. E Rubem Braga escreva crônicas lindas; e o Poder crie mais Dimas do que tem criado Gestas.

E - que diabo! - que eles voltem, meus parceiros... Estão todos no estrangeiro. Que fazem vocês aí? Voltem depressa, venham logo para casa, que é pra gente mandar brasa ao som do Quarteto em Cy.

E finalmente que eu, pequeno mas decente, siga sempre para a frente com meu amor ao meu lado. E ela me dê no mais próximo presente, o presente de um futuro sem as dores do passado.



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