Cândido Portinari, ilustração para "O Alienista" |
João Varinha procurava a ocasião solene para fazer um discurso. Quando lhe davam a palavra, erguia-se na ponta dos pés e com uma varinha que girava acima da cabeça ia falando sem parar. Umas coisas que dizia se entendia, outras não significavam coisa alguma, deixavam a plateia estupefata. Dirigia-se ao prefeito no aniversário da cidade, trocando o nome dele pelo do delegado, morto na véspera. Certa ocasião, depois de se referir ao Grupo de Escoteiros Bandeirantes como grandioso, patriótico, núcleo de heróis, formidável, parcela da invencível e remelenta alma itabunense, guerreiros do presente e futuro pro que der e vier, terminava dizendo que todo povo da cidade devia fornecer mais carinho a estes hominhos, meninos bem comportados, penteados, perfumados e floridos em nosso querido condado, feito, graças a Deus, pelas mãos mansas do sacripanta e pelo denodo diário do sibarita, um sem juízo e o outro como ele, sem consciência dos atos.
Já Tonico Barriguinha anunciava-se como o corretor de fazendas prósperas para os pobres. Usava sempre na cabeça um chapéu de abas curtas, óculos com lentes fundo de garrafa, calça de mescla azul, camisa branca rasgando-se nos lados da barriga, roliça como uma barrica. Fazia ponto na praça Santo Antonio. Era um dilúvio de roças baratas que oferecia aos fiéis indo para a missa domingueira das sete. Gritava: “Cacau é bom, gado é bom e bonito.” E mais alto: “Compre uma fazenda grande por um cacho de bananas, troque outra por uma dúzia de abacaxis maduros. Com o corretor Tonico Barriguinha saiba que até roça cheia de gado é trocada por uma calcinha preta de rapariga em flor ou de mulher casada fogosa.“ Cruz-credo, as beatas tapavam os ouvidos, entravam ligeiras na igreja e comentavam indignadas com o padre Nestor o ultraje ao pudor das almas castas que aquele homem baixinho e barrigudo cometia quando anunciava a todo volume a venda de suas roças.
Quando entendia ser motorista, passava correndo na rua do comércio, buzinando e pedindo passagem para não atropelar os transeuntes nem colidir nos carros. Os cabelos assanhados, o suor a escorrer do rosto, ele parava em frente à Barbearia do Álvaro, dizendo que estava com um dos pneus traseiros furado. Precisava fazer o conserto, a viagem no outro dia seria longa e a estrada de terra batida muito esburacada. Se nesse instante um gaiato falasse para ele, “Jesuíno Aviador!”, a resposta era um tiro só, “Vencedor nas duas Grandes Guerras!” Acrescentasse na arrelia, “Jesuíno Fazendeiro!”, respondia mais rápido: “Agora com grandes pés de dinheiro!” Se outro o instigasse mais, “Jesuíno Mergulhador!”, a alegria estampava-se no rosto com a barba grande, o sorriso largo rasgando a boca: “Atrás de Moça Bonita!”
A terra tremia quando perguntavam: “Jesuíno, cadê Caçulinha?” Retirava da cintura o punhal grande, prometendo que ia matar o gaiato para que assim lhe respeitasse na sua honra de homem sério. Passava o punhal no chão como se estivesse amolando-o, jurando que dessa vez nem os deuses conseguiriam impedir que fosse derramado o sangue da mulher traidora e do conquistador perverso, afamado como destruidor do lar feito com amor, dedicação e trabalho.
Foram esses alguns dos doidos mansos de minha cidade, que conheci quando eu era um adolescente por volta dos quinze anos de idade. Faziam parte do cotidiano com suas atitudes inocentes, enfeitavam a vida com pureza e graça.
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