sexta-feira, abril 17

Passeio na biblioteca

Na biblioteca da universidade passeava entre as estantes, em meio a milhares de livros, inalando o odor mofado do couro, do tecido e das páginas ressecadas como se fosse um incenso exótico. Às vezes se detinha, tirava um volume das prateleiras e o segurava em suas mãos grandes, que vibravam com o contato, ainda insólito, com a lombada, a capa e as páginas dóceis. Depois, folheava o livro, lendo um parágrafo aqui e ali, seus dedos rígidos virando as páginas, quase temerosos de destruir com seu desajeitamento o precioso conteúdo.

Não tinha amigos, pela primeira vez em sua vida teve consciência de sua solidão. Às vezes, de noite em seu sótão, erguia os olhos de um livro que estava lendo e espiava os cantos escuros de seu quarto, onde a luz do lampião tremulava contra as sombras. Se olhasse fixo e atentamente, a escuridão se reuniria numa luz, que assumia a forma insubstancial do que estivera lendo. E ele sentia que estava fora do tempo, como sentira naquele dia na aula em que Archer Sloane falara com ele. O passado avolumava-se da escuridão onde jazia, e os mortos se erguiam para viver à sua frente, e juntos, fluíam para o presente entre os vivos, e assim, por um intenso instante, ele tinha a sensação de unir-se a eles numa única e densa realidade da qual não podia escapar. Tristão, Isolda a bela, caminhavam à sua frente; Helena, e o brilhantes Paris, seus rostos graves de amargura, erguiam-se da treva. E Stoner se sentia mais próximo deles do que de seus colegas que iam de aula em aula, hospedados numa grande universidade em Columbia, no Missouri, e que caminhavam distraídos em meio ao ar do Midwest.
John Williams (1922-1994) em "Stoner"



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