Chris Sheban |
Vou a várias casas em ricos condomínios fechados e nem mais pergunto onde é a biblioteca. Ela inexiste. A maioria tem um “home theather”, que subleva o belo hábito de ir ao cinema e nunca é comparável ao mesmo. São casas frias de pé direito alto, paredes sem quadros e o rastro dos livros, na sala, no banheiro, nos quartos, no corredor, na varanda, na beira da piscina, sumiu. São assépticas como um centro cirúrgico com o chão de porcelanato e aquele cheiro irritante de limpeza.
Quando me lembro da pilha que está na minha cabeceira, e que nunca acaba, sempre renovada, exceto o “Eu profundo e os outros eus” de Pessoa, fico pesaroso. O que fazem as pessoas antes de dormir? Veem televisão? Aquela caixinha de bobagens que agora concorre cabeça a cabeça com as redes sociais da Net? O barulho, a luz intermitente, tudo isso leva a um sono ruim. Diferente do livro que fecha seus olhos naturalmente e o transporta para dentro do mundo de sonhos que ele oferece.
Confesso-lhes que até comprei um “tablet” e nele baixei uns livros técnicos e a narrativa patagônica de Jules Verne “Le Phare du bout du monde”, originalmente publicada em versão remanejada em 1905 e republicada em 1999 de acordo com o livro de 1903. Esses recursos eu reconheço que são úteis. Você carrega consigo a sua biblioteca. Mas não é a mesma coisa.
Livros têm textura e cheiro. Livros podem e devem ser expostos, emprestados, dedicados, compartilhados. Além – é claro– autografados ou dedicados. E a biblioteca é o berçário dos livros e nunca seu cemitério. Assim como os sebos são as praças literárias, as praias cheias de surpresas onde o sol de uma nova leitura brilha em edições já esgotadas.
Não é à toa que um dos meus ídolos se chama Mindlin, o maior bibliotecário do Brasil e da América do Sul e sua doação espetacular feita antes de falecer, para a USP. Mindlin e seus 38.000 volumes com raridades e curiosidades, uma festa para todos que ele juntou durante seus noventa e cinco bem vividos anos. Que lê muito geralmente vive mais. A atividade cerebral é fundamental para perdurar a chama.
Lembro-me do primeiro livro que li, uma biografia de Alexandre, O Grande. Aquilo me despertou uma vontade enorme de conhecer os caminhos que ele passou, de saber sobre outras figuras emblemáticas mundiais, de ir à biblioteca de Alexandria. Eu tinha cinco anos. Crianças gostam de aventuras, não de Machado, Eça ou Camões. Um dos erros comuns é a formação de leitores. Eles têm que ser atiçados pelo texto, enlaçados e conquistados, para depois conhecer as nuances estilísticas e linguísticas.
A biblioteca tem esse papel, junto com os pais e os professores. O exemplo é fundamental. Venho de uma família de grandes leitores, pai, mãe e tia. As recomendações eram plurais, desde os discursos de Cícero e Catilina, passando por Victor Hugo e minha querida Eponine, até o campeão de vendas Harold Hobbins e seus títulos bombásticos. A obra completa de Monteiro Lobato lida no colégio… Isso me formou como pessoa e aos poucos a poesia tomou conta de mim. Desde Camões até Manoel de Barros, passando por Drummond e Vinícius e sem nunca abandonar Pessoa, o maior de todos na nossa língua.
Depois veio a necessidade de ler no original, de ir aos países em que viveram os grandes autores, e conhecer in loco as solenes e aconchegantes bibliotecas nacionais, além de pequenos sebos de ruas tristes de centro da cidade ou bairros que um dia moraram ilustres escritores e agora são tomados por comércio de 1,99.
A melhor coisa que faço sozinho é ler. E um dos grandes orgulhos que tenho é saber que meu pai não se tornou nome de rua, mas sim de biblioteca. E que a sabedoria dele e de minha mãe, ainda hoje me arrebata por livros e livros e as duas bibliotecas que em casa cuido e guardo.
JB Alencastro
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