Acho que vou publicar um livro que não escrevi. É o chamado método do “cut and splice” que vários dadaístas adotaram e foi utilizado também pelo grande William Burroughs na montagem de vários textos. Só que meu cut and splice (corte e colagem) é feito de trechos na internet que eu não escrevi. São um relicário de trivialidades, com frases atribuídas a mim que rolam na internet há anos. Já reclamei aqui várias vezes, mas sempre surgem novos apócrifos que, aliás, fazem o maior sucesso. Vivemos a grande invasão das asnices na velocidade da luz, embora os pensamentos vão a passos de tartaruga (olha eu aí já no lugar-comum). A boa e velha burrice continua intocada, agora disfarçada pelo charme da rapidez. Antigamente, os burros eram humildes, se esgueiravam pelos cantos, ouvindo, amargurados, os inteligentes deitando falação. Agora não; é a revolução dos idiotas online. Escrevem, e não entendo por que não assinam seus belos nomes. Por que eu?
Vejamos trechos escolhidos do meu futuro livro apócrifo de mim mesmo:
“O ser humano não é absoluto. Gente chata essa que quer ser séria, profunda e visceral sempre. Putz! A vida já é um caos, por que fazermos dela, ainda por cima, um tratado? Deixe a seriedade para as horas em que ela é inevitável: mortes, separações, dores e afins. No dia a dia, pelo amor de Deus, seja idiota!”.
Ou então:
“Bom mesmo é ter problema na cabeça, sorriso na boca e paz no coração! Aliás, entregue os problemas nas mãos de Deus, e que tal um cafezinho gostoso agora?”.
Mais um:
“Alô gente! Felicidade, amor, todas essas emoções nos fazem parecer ridículos, abobalhados, e daí? Seja ridículo, não seja frustrado, ‘pague mico’, saia gritando e falando bobagens, você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta. Esqueça o que te falaram sobre ser adulto, tudo aquilo de não brincar com comida, não falar besteiras, não ser imaturo, não chorar, não andar descalço, não tomar chuva. Pule corda! Adultos podem (e devem) contar piadas, passear no parque, rir alto e lamber a tampa do iogurte”.
Ou: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche!”.
Mas a maioria dos textos não é “metafísica” – é sobre amor e mulheres.
Vejamos:
“Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, não toma banho, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado, e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Aliás, o seu fettucine ao pesto é imbatível”.
Há um texto rolando (e sendo elogiado) declarando em relação às mulheres e ao casamento: “Por que comprar a vaca, se você pode beber o leite de graça? Aqui está a novidade para vocês: hoje em dia, 80% das mulheres são contra o casamento, e sabem por quê? Porque as mulheres perceberam que não vale a pena comprar um porco inteiro só para ter uma linguiça!”. Nada mais justo!
Outra pérola:
“A pele é um bicho traiçoeiro. Quando você tem pele com alguém, pode ser o papai com mamãe mais básico que é uma delícia. E, às vezes, você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona...”.
E mais:
“Antes idiota que infeliz! Milhares de casamentos acabaram-se não pela falta de amor, dinheiro, sexo, sincronia, mas pela ausência de idiotice”.
“As mulheres são tão cheirosinhas; elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...” “Tenho horror à mulher perfeitinha. Acho ótimo celulite...”
“As mulheres de hoje lutam para ser magrinhas. Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!” (Luto dia e noite contra cacófatos e jamais escreveria “cós acaba!”).
“Não dá, infelizmente, para ficar somente com a cereja do bolo – beijar de língua, namorar e não ser de ninguém. Para comer a cereja, é preciso comer o bolo todo. Desconhece a delícia de assistir a um filme debaixo das cobertas num dia chuvoso comendo pipoca com chocolate quente, o prazer de dormir junto abraçado, roçando os pés sob as cobertas”.
Ainda sobre a mulher:
“São escravas aparentemente alforriadas numa grande senzala sem grades”.
E, finalmente, a grande síntese: “Quem se sente amado não ofega, mas suspira…”. E conclui (em meu nome) com a frase de múltiplos significados: “Ah, o amor, essa raposa…”.
Mas o pior são artigos escritos por inimigos covardes para me sujar. Há um texto de extrema direita, boçal, xingando os brasileiros, no qual há coisas como: “Brasileiro é babaca. Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira. Brasileiro é vagabundo por excelência. Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de R$ 90 mensais para não fazer nada não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo. Noventa por cento de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como aviãozinho do tráfico para ganhar uma grana legal. Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam existido condições de se tocarem os bandidos de lá para fora...”.
Há um texto com minha assinatura xingando a presidente da República com tal violência que eu mereceria uma prisão. E não adianta desmentir, pois os boatos continuam. Dizem, por exemplo, que o Lula mandou o Lewandowski me tirar do ar na CBN… há mais de um ano. E continuo falando. Será que pensam que eu não sou eu?
Ou seja: ou mentem para me incriminar, ou admiram-me pelo que eu teria de pior; sou amado pelo que não escrevi.
Arnaldo Jabor
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