Antes de contar a razão de tanto contentamento, dou um passo atrás para falar de Philip Roth.
Foi meu amigo Átila, ao me presentear com “A marca humana” (Companhia das Letras), quem me aplicou o escritor americano. Uma das leituras mais instigantes que já fiz, o livro é daqueles que a gente vê passar por suas páginas a vida quase sempre mal resolvida de um país, no caso, os Estados Unidos. O personagem é um negro que não se aceita como tal. Abandonando os pais, passa a se apresentar como judeu, e é como judeu que se casa, cria os filhos, torna-se professor universitário e sofre um processo por racismo (contra um negro) em sala de aula. A história trata com pesos iguais o drama de um homem e o de um país, e um espelha e influencia o outro.
Philip Roth virou um escritor de cabeceira. Ao longo do último agosto, incerto entre o calor e o frio, me debrucei sobre “O professor do desejo” (Companhia das Letras). Essa leitura abriu o caminho para a boa nova que em breve anuncio. O personagem principal, primeiro estudante de letras e, depois, professor, lida em suas pesquisas com Tchekhov. (Também com Kafka, o que o leva a Praga e, por conta disso, Roth escreve uma meia dúzia de páginas de beleza irretocável.) Roth, para dar solidez ao personagem, discute em vários momentos a obra de Tchekhov e, com isso, me jogou nos braços do médico e escritor russo.
Corri atrás de uma antologia que tenho, uma edição (ou reedição) do início dos anos de 1990, da Cultrix. Comecei a folheá-la e encontrei no prefácio, escrito pela tradutora Tatiana Belinky, a seguinte citação de Tchekhov: “Sei falar curto de coisas longas”. O conto é isto: falar curto de coisas longas. Vencido o prefácio, li um conto, depois outro. O livro está ordenado cronologicamente, assim, é possível perceber que a pegada de humor de Tchekhov se impôs nos seus primeiros textos. Um humor duro, que surge constantemente a partir de uma situação na qual está em jogo uma questão delicada, até mesmo moral.
Avançando pelos contos cheguei a “Brincadeira”. Não, não pude acreditar. Esse conto, amigos, eu o havia lido na década de 1990, não sei bem, e sua história martelava imprecisa em minha cabeça. Eu o considerava uma obra linda, mas, que conto era esse? Ah, agora sei, é “Brincadeira”. Apesar do título e do bom humor habitual, o conto é triste até mandar parar — o que não macula sua beleza. Quanta alegria em reencontrá-lo! Sem me aguentar em mim, corri aqui para dividir minha felicidade.
Coisa miúda e desproporcional ao contentamento despertado? Quem gosta de ler sabe que não é. Um achado dessa magnitude equivale a um reencontro com alguém querido, que andava perdido no mundo. No caso da minha leitura, o amigo ausente trouxe com ele dois caras, que, num instante, tornaram-se íntimos, irmãos mesmo — como é o caso do próprio Átila, que chegou pelas mãos da Wânia. Na nova leitura de Tchekhov, “Inimigos” e “Angústia” (“novos amigos” colhidos entre inúmeros contos estupendos) subiram para a estante virtual em que guardo os marcantes.
Em nome da alegria, juro lutar contra minha memória frouxa e nunca mais esquecer nenhuma das histórias desse monstro, o russo Tchekhov.
Celebremos!
Alexandre Brandão
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