sábado, outubro 10

Boa nova

Fui agraciado com uma boa nova. Neste mundo de tantas precariedades, de angústias em doses pra lá de tantas, regozijo-me e dou publicidade a uma titica de nada, mas o que fazer, não é? Ao cronista é reservada a tarefa de lidar com o desimportante, com as miudezas, não raro com as coisas do próprio umbigo. Pois lá vou eu compartilhar um deleite pessoal. Digo compartilhar na esperança de não ir só, isso é, de levá-los comigo.

Antes de contar a razão de tanto contentamento, dou um passo atrás para falar de Philip Roth.

Foi meu amigo Átila, ao me presentear com “A marca humana” (Companhia das Letras), quem me aplicou o escritor americano. Uma das leituras mais instigantes que já fiz, o livro é daqueles que a gente vê passar por suas páginas a vida quase sempre mal resolvida de um país, no caso, os Estados Unidos. O personagem é um negro que não se aceita como tal. Abandonando os pais, passa a se apresentar como judeu, e é como judeu que se casa, cria os filhos, torna-se professor universitário e sofre um processo por racismo (contra um negro) em sala de aula. A história trata com pesos iguais o drama de um homem e o de um país, e um espelha e influencia o outro.

Philip Roth virou um escritor de cabeceira. Ao longo do último agosto, incerto entre o calor e o frio, me debrucei sobre “O professor do desejo” (Companhia das Letras). Essa leitura abriu o caminho para a boa nova que em breve anuncio. O personagem principal, primeiro estudante de letras e, depois, professor, lida em suas pesquisas com Tchekhov. (Também com Kafka, o que o leva a Praga e, por conta disso, Roth escreve uma meia dúzia de páginas de beleza irretocável.) Roth, para dar solidez ao personagem, discute em vários momentos a obra de Tchekhov e, com isso, me jogou nos braços do médico e escritor russo.

Corri atrás de uma antologia que tenho, uma edição (ou reedição) do início dos anos de 1990, da Cultrix. Comecei a folheá-la e encontrei no prefácio, escrito pela tradutora Tatiana Belinky, a seguinte citação de Tchekhov: “Sei falar curto de coisas longas”. O conto é isto: falar curto de coisas longas. Vencido o prefácio, li um conto, depois outro. O livro está ordenado cronologicamente, assim, é possível perceber que a pegada de humor de Tchekhov se impôs nos seus primeiros textos. Um humor duro, que surge constantemente a partir de uma situação na qual está em jogo uma questão delicada, até mesmo moral.

Avançando pelos contos cheguei a “Brincadeira”. Não, não pude acreditar. Esse conto, amigos, eu o havia lido na década de 1990, não sei bem, e sua história martelava imprecisa em minha cabeça. Eu o considerava uma obra linda, mas, que conto era esse? Ah, agora sei, é “Brincadeira”. Apesar do título e do bom humor habitual, o conto é triste até mandar parar — o que não macula sua beleza. Quanta alegria em reencontrá-lo! Sem me aguentar em mim, corri aqui para dividir minha felicidade.

Coisa miúda e desproporcional ao contentamento despertado? Quem gosta de ler sabe que não é. Um achado dessa magnitude equivale a um reencontro com alguém querido, que andava perdido no mundo. No caso da minha leitura, o amigo ausente trouxe com ele dois caras, que, num instante, tornaram-se íntimos, irmãos mesmo — como é o caso do próprio Átila, que chegou pelas mãos da Wânia. Na nova leitura de Tchekhov, “Inimigos” e “Angústia” (“novos amigos” colhidos entre inúmeros contos estupendos) subiram para a estante virtual em que guardo os marcantes.

Em nome da alegria, juro lutar contra minha memória frouxa e nunca mais esquecer nenhuma das histórias desse monstro, o russo Tchekhov.

Celebremos!

Alexandre Brandão

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