sábado, outubro 24

Escritores jovens

Em entrevista concedida ao “El País”, o escritor britânico Martin Amis, indagado sobre o motivo pelo qual não lê a nova literatura, respondeu: “É senso comum. Ler escritores jovens ou mais jovens do que eu não é uma maneira eficiente de usar o tempo de leitura”. Recebi o link da entrevista por e-mail, enviado por um leitor desta coluna, que fez a provocação perguntando minha opinião sobre o assunto.

Posso falar da minha experiência como jovem autor, claro. Comecei a escrever aos 12 anos. Meu primeiro romance publicado, “Suicidas”, foi escrito entre os 16 e os 19. Todo mundo dizia que tinha tudo para dar errado. Era um livro policial adulto, com temática de suicídio, com mais de quinhentas páginas, escrito por um garoto cheio de sonhos. Acontece que o livro chamou atenção dos jurados do Prêmio Benvirá de Literatura justamente por essas características incomuns. Lembro-me até hoje da ligação que recebi do Thales Guaracy, editor da Benvirá na época, para informar que meu romance de estreia seria publicado. De forma bem direta, ele disse: “Você quer mesmo ser escritor? Você é jovem, escreve algumas infantilidades, peca pelo excesso, precisa ser lapidado, mas tem talento. Vou ajudá-lo a melhorar.”


O editor estava certo. Minha inexperiência pesava. É natural que um escritor jovem seja um escritor em formação, descobrindo seus interesses, sua voz própria, seu estilo. Trágico imaginar que alguém aos vinte e poucos anos tenha chegado ao auge — o que ele fará com os anos de vida que lhe restam?

Além disso, é inegável que há certa bagagem que só a idade traz. A boa literatura investiga a alma humana e seus desejos mais recônditos. Com o avançar da idade, o escritor vai ganhando vivência, adicionando impressões e reflexões ao seu arsenal criativo, o que ajuda na construção de uma literatura mais sólida e profunda. Costumo brincar que não sou a pessoa mais apta a narrar as angústias de um casal de meia-idade em crise no casamento, pois não cheguei à meia-idade e jamais fui casado. Naturalmente, é um exagero. Num exercício criativo, qualquer escritor pode se colocar na posição do outro e imaginar suas sensações e atitudes.

Outro aspecto de “imaturidade” do jovem escritor está na linguagem. A linguagem é a principal ferramenta da literatura. Ter passado pelas mãos de um bom editor foi essencial para o amadurecimento do meu texto. Com o Thales, aprendi a limar adjetivos e advérbios excessivos; diálogos repetitivos; descrições deliciosas, porém inúteis ao texto; e aprendi principalmente a valorizar a força da palavra escrita. Esse também é um aspecto que se constrói com os anos, através da leitura de mais livros e do exercício diário da escrita.

Apesar do que foi dito acima, Martin Amis está errado ao julgar “perda de tempo” ler os mais jovens. Acompanhar o processo de formação e o desenvolvimento de um escritor é muito interessante, uma maneira eficiente, sim, de entender a construção de sua obra. Por vezes, justamente por ser jovem, o escritor tem uma visão muito particular e especial de determinado ponto ou momento da vida. A inocência e a ambição juvenis também são elementos interessantes que temperam algumas narrativas de estreia, cheias de ousadia e livres da pressão da mídia, das editoras e dos leitores. Não bastasse, há casos especiais e raros de pessoas de vinte e poucos anos que escreveram verdadeiras obras-primas, como Emily Brontë (falecida aos 30 anos), Castro Alves (24 anos), Álvares de Azevedo (21 anos) e Sylvia Plath (30 anos).

Em sua declaração, Martin Amis continua: “O modo de julgar o valor de um romance, uma pintura ou um poema é quanto perdura. O único juiz de uma obra é o tempo. Se um livro perdura um século, provavelmente é bom; se dura dez anos, não muito. Então, costumo ler obras de autores mortos porque suas obras sobreviveram, enquanto que ler o romance de um autor de 25 anos é uma aposta... e não muito sensata.”

Essa observação também me parece um tanto enganada. Ora, afinal, ler um livro é arriscar-se, não? A graça da literatura é justamente o risco, a descoberta. Quando fui publicado, prometi a mim mesmo nunca deixar de atentar ao que vem sendo produzido de novo. Graças a pessoas inteligentes e interessadas na produção dos jovens autores é que a maioria dos escritores conseguiu começar sua carreira. Eu mesmo não teria conseguido nada sem a curiosidade do meu editor, Thales Guaracy, sem a sensibilidade do querido Clifford Landers, entre tantos outros que me abriram portas. Hoje em dia, sempre que posso, faço questão de ler originais e aconselhar amigos em início de carreira.

Uma pessoa que não lê o que se produz de novo, o que é escrito por jovens autores, é uma pessoa desligada de seu tempo. Ler os clássicos é essencial, óbvio. Mas ignorar a produção contemporânea, com frescor juvenil, é mania ultrapassada, com toques de conservadorismo barato e com cheiro de mofo. Na sua estante, tem espaço para todo mundo. Eis aí meus dois centavos sobre o assunto.

Raphael Montes

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