Da próxima vez, prometo não dormir na cadeira do barbeiro, para só no fim dar com o estrago. Passo com mais cuidado o protetor. Checo os nomes dos pais antes de ir à reunião do colégio. Faço uma mala menos pesada. Pergunto antes para o dono se o cachorro é bonzinho.
Da próxima, não confio na inocência da pimenta e na sabedoria do GPS. Pergunto ao garçom se tem glúten, em vez de esperar meia hora, quase morrer de fome, e ver chegar o prato polvilhado de farofa de rosca. Não tento novas e ousadas posições, para ter de interromper a festa com um troço lá que deu nas costas.
Vou ver se você está na esquina, enxugar gelo, encher pneu de trem, catar coquinho, só não vou pentear macaco porque macaco mora longe e o máximo que eu consigo é ver se você está na esquina.
A próxima vez de um domingo é mais triste que a de sexta. A não ser nas férias, quando se tem a divina sensação de não saber ao certo se é terça ou quarta. A próxima do precavido foi planejada com antecedência, o que tira muito da graça.
Não haverá próxima vez para praia lotada, cinema no shopping sábado à tarde, final de campeonato na arquibancada, festa de quem mal conheço, reunião em que não preciso estar, comida ruim, música chata, gente besta. Nunca mais criar uma senha original, tão criativa, que nunca mais serei capaz de me lembrar dela.
Será sempre a vez de parar para o café, de andar na grama, de ir pela sombra, de pisar na poça, telefonar para tia Cecília, conversar no escuro, pausar a pressa, chupar bala, ser grato. A próxima vez tem sua hora e cada coisa na sua vez.
Da próxima vez, não me revelo assim, de cara, bocó de mola, numa declaração tão afoita quanto desajeitada. Não: crio algum mistério, troco olhares, alterno o me fingir de interessante com o de morto. Isso, claro, se houver próxima vez.
Mas haverá uma próxima vez – se o meteoro desviar, se o raio der chabu, se o tsunami miar, se o profeta do fim do mundo errar nos cálculos, se a bala perdida se encontrar, se o coração colaborar, se o Santos não me aprontar, vai haver.
E quantas próximas vezes já prometeram, vieram e passaram. Algumas se cumpriram, tão boas e leves; outras se foram, sem que ninguém percebesse a chegada. Teve a que nem vamos tocar no assunto, uma próxima vez que se adiou e a outra, ai, que disse que não haveria outra.
Mas repare: a próxima vez ainda era ontem mesmo, e não nos demos conta.
Nesse caso, fica para a próxima.
Cássio Zanatta
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