sexta-feira, janeiro 31
O super-detergente
Nós vivemos no tempo do record, do máximo, do prestígio do campeão. Todo o vocabulário está cheio dos hiper ou dos super da propaganda comercial. Dizer que tal livro é o melhor de há 30 anos equivale a dizer que este é que é de facto um superdetergente. De resto, os agentes publicitários do material literário não pretenderão talvez enganar-nos. Eles sabem que sabemos que estamos no domínio do reclame. É uma actividade inocente como proclamarmos a excelência de um sabão. E é exactamente por isso que eles usam sempre números redondos. Nunca dizem, por exemplo, que este é o melhor livro de há 47 anos ou de há 23 anos e meio. Na realidade, eles não têm um ponto de referência para marcarem as datas. Falar em 30 ou 50 anos é como usar uma «numeração indeterminada», como se diz em retórica. Garção, ao dizer da Dido moribunda que «três vezes tenta erguer-se», não pretende convencer-nos de que estiveram lá a contá-las. Em todo o caso e de qualquer modo, dizer que este é o melhor livro de há 50 anos afecta as pessoas impressionáveis. Mas por isso mesmo é que existem as agências de publicidade. E ninguém vai pedir-lhes satisfações por reclamar um produto contra a calvície que nos deixou talvez ainda mais depilados.
Vergílio Ferreira
Vergílio Ferreira
Notas da chuva
PETRÓPOLIS, MARÇO. Deixo-me quieto, quase imóvel. É possível, então, entender mais o barulho da chuva sobre a palha. Na chuva, o poder evocativo dos sons. Sobre a pedra, sobre o barro, sobre o rio, sobre as folhas. A lembrança imprecisa de um momento da meninice. A quase certeza de que eu estava só, como agora e, como agora, não me sentia especialmente alegre. Mas em paz. A chuva é bela, na música e no formato. E, acima de tudo, porque é água. A água é bela.
Nenhuma emoção é mais forte que a de entrar no quarto da mulher que dorme. Sentir-lhe o cheiro e o calor, no ar do quarto. Tocar-lhe a pele poderosa. Nela, encontrar a intensificação completa. Depois, dormir como na morte, para despertar ao peso dos deveres aflitos a cumprir. Um mistério indecifrável de uma mulher a que se volta. Só se ama uma mulher quando lhe tememos a pele e o cheiro. Quando a ideia de sabê-la em outro amor nos torna capazes de matá-la ou perdoá-la. Matá-la e perdoá-la são duas coragens difíceis. Fica-se, geralmente...
Ama-se, angustiadamente, o vestido pendurado da amante ausente. E haverá mais verdade na companhia desse vestido (morto como um vestido) que adiante, nos braços de uma nova mulher.
Os sentimentos das nossas constantes paixões! Enlevo, carinho, generosidade, sacrifício. Infelizmente, por mais que se tenha feito para negá-lo, o verdadeiro amor é aquele que nos abrange e nos vence como um vício. Nunca se diga que o amor é fácil, antes de se vivê-lo como um vício.
O homem investe demais contra os seus gostos verdadeiros. Quando devia deixar-se ser, consentir a si mesmo, procurar-se mais e mais no fundo de suas tendências.
A carne não mente. Apesar da má companhia em que vive, ainda não chegou à perfeição desse erro. Vivamos antes das palavras. Ou em vez das palavras. Seremos livres e intensos.
Quantos séculos e quantos poetas deverão passar, para que se digam todas as verdades? Quando se assistirá a toda a intimidade de um nosso semelhante, sem que ele e nós nos sensibilizemos? Em que dia se será só, em companhia de outra pessoa? Só se saberá verdadeiramente de um homem depois de morto, quando o forem vestir.
A preguiça se parece muito com a humildade. Não quero nada além do não ter a cumprir em hora certa. Livre a hora futura... ainda que incerta. Que não me deem além de viver no Tempo sem pensar em aproveitá-lo em ambições, o minuto que passa sobre a rede onde estou deitado quase imóvel. Os bens chegarão ao acaso. O acaso é a verdadeira hora certa. A mulher virá para o amor. A poesia explicará o mistério. A música me desvendará durante algum tempo. Tudo que houver de ser legitimamente meu virá entre as horas que perco, enquanto durmo. Só me exalta a posse legítima e afim.
A água é bela e jovem. Ninguém a envelhecerá. Ninguém a prenderá para sempre.
quinta-feira, janeiro 30
Em 2019, americanos foram mais à biblioteca do que ao cinema
Os dados foram coletados em dezembro de 2019 e mostram os cinemas como a segunda atividade cultural preferida no país. Uma pessoa assiste em média 5,3 filmes na telona por ano.
A última pesquisa do gênero havia sido feita em 2001 e indicava resultados similares. Entretanto, houve uma queda nas visitas aos cinemas. No ano anterior, os americanos visitaram em média 1,3 vezes menos uma sala cinematográfica em relação à pesquisa feita há 18 anos.
Outras atividades que foram mencionadas na pesquisa são a ida a eventos esportivos (4,7 vezes ao ano); eventos de música ou teatro ao vivo (3,8), visitar um parque nacional ou histórico (3,7), um museu (2,5), um cassino (2,5), ir a um parque temático ou de diversões (1,5) e, por último, um fazer passeio pelo zoológico (0,9).
Em contrapartida, atividades que tiveram um aumento desde o levantamento anterior foram as idas aos museus, espetáculos de música ou teatro ao vivo e visitas a parques nacionais ou históricos.
Sorriso
Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos.
O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.
Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.
O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.
José Saramago
O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.
Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.
O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.
José Saramago
quarta-feira, janeiro 29
O sábio da 'Efelogia'
Matthias Grünewald
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Durante a última excursão que fiz a Marrocos, encontrei um dos tipos mais curiosos que tenho visto em minha vida.
Conheci-o casualmente, no velho hotel de Yazid El-Kedim, em Marrakech. Era um homem alto, magro, de barbas pretas e olhos escuros; vestia sempre pesadíssimo casaco de astracã, com esquisita gola de peles que lhe chegava até às orelhas. Falava pouco; quando conversava casualmente com os outros hóspedes, não fazia a menor referência à sua vida ou ao seu passado. Deixava porém, de vez em quando, escapar observações eruditas, denotadoras de grande e extraordinário saber.
Além do nome — Vladimir Kolievich — pouco mais se conhecia dele. Entre os viajantes que se achavam em “El-Kedim”, constava que o misterioso cavalheiro era um antigo e notável professor da Universidade de Riga, que vivia foragido por ter tomado parte numa revolução contra o governo da Letônia.
Uma noite, como de costume estávamos reunidos na sala de jantar, quando uma jovem escritora russa, Sônia Baliakine, que se entretinha com a leitura de um romance, me perguntou:
— Sabe o senhor onde fica o rio Falgu?
— O quê? Rio Falgu?
Ao cabo de alguns momentos de baldada pesquisa nos escaninhos da memória, fui obrigado a confessar a minha ignorância, lamentável nesse ponto. Nunca tinha ouvido falar em semelhante rio, apesar de ter feito um curso completo e distinto na Universidade de Moscou.
Com surpresa de todos, o misterioso Vladimir Kolievich, que fumava em silêncio a um canto, veio esclarecer a dúvida da encantadora excursionista russa:
— O Rio Falgu fica nas proximidades da cidade de Gaya, na Índia. Para os budistas, o Falgu é um rio sagrado, pois foi junto a ele que Buda, fundador da grande religião, recebeu a inspiração de Deus.
Diante da admiração geral dos hóspedes, aquele cavalheiro, habitualmente taciturno e concentrado, continuou:
— É muito curioso o rio Falgu. O seu leito apresenta-se coberto de areia; parece eternamente seco, árido, como um deserto. O viajante que dele se aproxima não vê água nem ouve o menor rumor do líquido. Cavando-se, porém, alguns palmos na areia, encontra-se um lençol de água pura e límpida.
Com a simplicidade e clareza peculiares aos grandes sábios, passou a contar-nos coisas curiosas, não só da Índia, como de várias outras partes do mundo. Falou-nos minuciosamente das “filazenes”, espécie de cadeiras em que se assentam, quando viajam, os habitantes de Madagáscar.
— Que grande talento! Que invejável cultura científica! — segredou, a meu lado, um missionário católico, sinceramente admirado.
A formosa Sônia afirmou que encontrara referências ao rio Falgu exatamente no livro que estava lendo, uma obra de Otávio Feuillet.
— Ah! Feuillet, o célebre romancista francês! — atalhou ainda o erudito cavalheiro do astracã. — Otávio Feuillet nasceu em 1821 e morreu em 1890. As suas obras, de um romantismo um pouco exagerado, são notáveis pela finura das observações e pela concisão e brilho do estilo.
Durante algum tempo, prendeu a atenção de todos, discorrendo sobre Otávio Feuillet, sobre a França e sobre os escritores franceses. Ao referir-se aos romances realistas, citou as obras de Gustavo Flaubert: “Salambô”, “Madame Bovary”, “Educação Sentimental”...
— Não se limita a conhecer a Geografia — acrescentou, a meia-voz, o velho missionário. — Sabe também literatura a fundo!
Realmente. A precisão com que o erudito Vladimir citava datas e nomes, e a segurança com que expunha os diversos assuntos, não deixavam dúvida alguma sobre a extensão de seu considerável saber.
Nesse momento, começava uma forte ventania. As janelas e portas batem com violência. Alguns excursionistas que se achavam na sala mostraram-se assustados.
— Não tenham medo — acudiu, bondoso, o extraordinário Kolievich. — Não há motivo para temores ou receios. Faye, o grande astrônomo, que estudou a teoria dos ciclones...
Discorreu longamente sobre a obra de Faye, e depois passou a falar, com grande loquacidade, dos ciclones, avalanches, erupções e todos os flagelos da natureza.
Senti-me seriamente intrigado. Quem seria, afinal, aquele homem tão sábio, de rara e copiosa erudição, que se deixava ficar modesto, incógnito, como simples aventureiro, numa velha e monótona cidade marroquina?
No dia seguinte, ao regressar de fatigante excursão aos jardins de El-Menara, encontrei-o casualmente, sozinho, no pátio da linda mesquita de Kasb. Não me contive e fui ter com ele.
— O senhor maravilhou-nos ontem com o seu saber — confessei, respeitoso. — Não podíamos imaginar, com franqueza, que fosse um homem de tão grande cultura. Na sua academia, com certeza...
— Qual, meu amigo! — obtemperou ele, amável, batendo-me no ombro. — Não me considere um sábio, um acadêmico ou um professor. Eu pouco sei, ou melhor, nada sei. Não reparou nas palavras de que tratei? Falgu, filazenes, Feuillet, França, Flaubert, Faye, flagelo. Começam todas pela letra F. Eu só sei falar sobre palavras que começam pela letra F.
Fiquei ainda mais admirado. Qual seria a razão de tão curiosa extravagância no saber?
— Eu lhe explico — acudiu com bom humor o estranho viajante. — Sou natural de Petrogrado e vivo do comércio do fumo. Estive, porém, por motivos políticos, durante dez anos nas prisões da Sibéria. O condenado que me havia precedido, na cela em que me puseram, deixou-me como herança os restos de uma velha enciclopédia francesa. Eu conhecia um pouco esse idioma, e como não tivesse em que me ocupar, li e reli centenas de vezes as páginas que possuía. Eram todas da letra F. Ao final, fiquei sabendo muita coisa; tudo, porém sem sair da letra F: fá, fabagela, fabela, fabiana, fabordão.
Achei curiosa aquela conclusão da original história do inteligente Kolievich, o negociante de fumo. Ele era precisamente o contrário do famoso e venerado rio Falgu, da Índia. Parecia possuir uma corrente enorme, profunda e tumultuosa de saber; entretanto, sua erudição, que nos causara tanto assombro, não ia além dos vários capítulos decorados da letra F de uma velha enciclopédia.
Era, inquestionavelmente, o homem que mais conhecia a ciência que ele próprio denominara “efelogia”.
Malba Tahan
terça-feira, janeiro 28
Pensamento de vida e de vivo
Zinaida Serebriacova |
Mas se te digo que não tenhas medo da morte é principalmente porque a morte é estado tão natural quanto a vida – ou mais natural ainda. A vida é simplesmente um meio, enquanto a morte é um fim em si. Se nascemos para alguma coisa, se há uma lei comum regendo o nosso fim neste mundo, não há de ser para triunfar que nascemos, porque nem todos triunfam, nem para gozar porque a maioria o que faz é sofrer, nem para amar apenas, nem para ser bispo ou para ser soldado, nem para o bem nem para o mal: nascemos todos e vivemos poucos ou muitos anos do nosso lote com o fim único de morrer. Outra coisa não é a vida senão a preparação desse fim – e a cada dia que passa, pensamos que estamos crescendo, ou engordando, ou aprendendo inglês, ou ficando calvos, ou nos tornando ricos – mas na verdade estamos é consumindo mais um dia, mais uma semana, mais um mês, e nos aproximando cada vez mais do prazo, chegando cada vez mais perto do termo da nossa obrigação ou da nossa caminhada.
O mal é se traçar essa barreira de pavor entre mortos e vivos, como se separação real houvesse realmente entre vida e morte. Quando afinal o morto é apenas o vivo que concluiu o trabalho de viver, o vivo acabado de aprontar para a morte. Que a última demão é justamente aquilo: a imobilidade e o silêncio. O que não foi no princípio e que torna a ser igual o que não é do fim.
segunda-feira, janeiro 27
Frases, nada mais
Era um poeta tão velho que a neve dos seus cabelos tinha já derretido.
Dizer que entre os gatos e os sofás há uma espécie de fetiche é quase uma imposição estatística.
Mãe, o gato me arranhou, queixa-se a menina, mostrando o dedo ferido pelo bibelô estilhaçado.
Não acredito, rapaz. Me disseram que Sócrates tomava cicuta sem gás.
A literatura consiste, no fundo, em juntar palavras com certa lógica. Esse é que é o problema.
Quando a carne não se mostra suficientemente fraca, sempre lhe damos uma ajudazinha.
Sou um poeta com espírito de vereador. Presto contas quase diárias dos meus atos poéticos, na presunção de que tenho leitores.
Vanguardista é quem em qualquer tempo precisa estar sempre à frente do seu tempo.
Sonhei que estava num bonde. Admirava a paisagem, as mulheres com suas saias, os homens com seus chapéus. Da calçada gritaram: bom dia, poeta. Alguém do bonde respondeu: bom dia. Era Mário de Andrade.
Após tanto Nobel falho, sem contar os Jabutis, coloco os pingos nos is: sei hoje quanto não valho.
Ora, desdenhareis, mais um soneto? E eu vos responderei que não. São só dois quartetos e dois tercetos.
Um minuto antes de desabarem as torres, ouviram-se vozes: eram os três tenores.
Hora de romper os grilhões. Fazer sonetos nunca mais. Já não bastam os de Camões e os de Vinícius de Moraes?
Ver a condessa mordiscando biscoitos talvez fosse suportável, se ela recolhesse as migalhas com uma língua menos minuciosa e se nos seus olhos não houvesse aquela chama que induzia a todos os pecados.
Sou lerdo, confesso. Só agora, aos oitenta, me afeta a crise dos setenta.
Quando no terceto final ele se ajoelhou e pediu piedade, os críticos se condoeram: era um soneto de meia-idade.Raul Drewnick
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Dizer que entre os gatos e os sofás há uma espécie de fetiche é quase uma imposição estatística.
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Mãe, o gato me arranhou, queixa-se a menina, mostrando o dedo ferido pelo bibelô estilhaçado.
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Não acredito, rapaz. Me disseram que Sócrates tomava cicuta sem gás.
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A literatura consiste, no fundo, em juntar palavras com certa lógica. Esse é que é o problema.
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Quando a carne não se mostra suficientemente fraca, sempre lhe damos uma ajudazinha.
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Sou um poeta com espírito de vereador. Presto contas quase diárias dos meus atos poéticos, na presunção de que tenho leitores.
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Vanguardista é quem em qualquer tempo precisa estar sempre à frente do seu tempo.
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Sonhei que estava num bonde. Admirava a paisagem, as mulheres com suas saias, os homens com seus chapéus. Da calçada gritaram: bom dia, poeta. Alguém do bonde respondeu: bom dia. Era Mário de Andrade.
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Após tanto Nobel falho, sem contar os Jabutis, coloco os pingos nos is: sei hoje quanto não valho.
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Ora, desdenhareis, mais um soneto? E eu vos responderei que não. São só dois quartetos e dois tercetos.
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Um minuto antes de desabarem as torres, ouviram-se vozes: eram os três tenores.
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Hora de romper os grilhões. Fazer sonetos nunca mais. Já não bastam os de Camões e os de Vinícius de Moraes?
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Ver a condessa mordiscando biscoitos talvez fosse suportável, se ela recolhesse as migalhas com uma língua menos minuciosa e se nos seus olhos não houvesse aquela chama que induzia a todos os pecados.
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Sou lerdo, confesso. Só agora, aos oitenta, me afeta a crise dos setenta.
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Quando no terceto final ele se ajoelhou e pediu piedade, os críticos se condoeram: era um soneto de meia-idade.Raul Drewnick
Livros em mãos inesperadas
Aqui há tempos fez furor a fotografia de um futebolista português (ou, pelo menos, de uma equipa portuguesa, já não sei) lend, no intervalo dos treinos, um romance de José Saramago. Devia ser normal, claro, uma pessoa gostar de ler, independentemente da sua profissão; mas infelizmente é muito raro encontrar-se alguém ligado ao futebol que aproveite as horas livres para pegar num livro – e daí que a fotografia tenha dado origem a notícias e referências em jornais, blogues e, claro, nas redes sociais. História parecida passou-se agora com outra classe de profissionais que, pelos vistos, não serão muito dados à leitura: os modelos… Há, porém, excepções – e a filha de Cindy Crawford, Kaia de seu nome, apareceu fotografada em muitas revistas com um romance debaixo do braço de que, por estes dias, diz que não se tem conseguido separar. Trata-se de As Travessuras de Uma Menina Má, do nobelizado peruano Mario Vargas Llosa. Mas não é a única manequim que lê: duas outras colegas na arte de passar modelos, as manas Bella e Gigi Hadid (que devem ter uns ricos pais, ainda bem), também andam a ler, respectivamente, obras de Stephen King e Albert Camus. Nem tudo está perdido.
domingo, janeiro 26
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros
O que disse Nadia
Nadia disse que um senhor elegante e perfumado costumava esperá-la ao final da tarde, à saída do emprego. Acompanhava-a até casa, discorrendo alegremente sobre as pequenas comédias do dia a dia. Nadia sabia quem ele era, soube assim que o viu pela primeira vez. O senhor elegante cumprimentava-a com educação:
– Como vai, minha sobrinha?
Dava-lhe o braço para atravessar as ruas.
Nadia disse que o elegante cavalheiro nunca se apresentou de maneira formal. Não referiu nenhum ofício ou ocupação. Nem sequer mencionou como preferia ser tratado. Era óbvio, porém, o seu imenso poder que exercia com uma autoridade distraída. Nas passadeiras, por exemplo, o semáforo estava invariavelmente verde para eles. Num fim de tarde, quase apático — era verão, uma sexta-feira —, um automobilista não viu o sinal e atirou-se contra os dois. O acompanhante de Nadia ergueu a mão direita, brevemente, levemente, numa fleuma de aristocrata, e logo o carro travou num agudo chiar de pneus, atirando o motorista contra o volante.
Nadia disse que, nas praças e nos jardins, as pombas nunca os molestavam. Afastavam-se, em bandos temerosos, muito antes que o casal se aproximasse. Os cães encolhiam-se, ganindo, evitando pisar a sombra do misterioso cavalheiro. Nadia disse que ao redor deles o ar era sempre tépido, qualquer que fosse a estação do ano, como se o senhor elegante fosse a fonte de uma primavera perpétua.
Nadia disse que ele nunca lhe ofereceu coisa alguma, nem joias, nem sapatos, nem promessas de uma agradável vida eterna. Não foi como se a tivesse conduzido até ao miradouro mais alto da cidade, para a seduzir com riquezas inumeráveis:
– Tudo isto pode ser teu, querida sobrinha.
Não. Não foi assim. O elegante e perfumado cavalheiro discorria amavelmente sobre os pequenos dramas e as irrelevantes comédias do quotidiano. Nadia disse que ele a divertia.
Era muito engraçado.
Nadia disse que ele a escutava atentamente, como se tudo o que ela dissesse fosse importante. Nadia disse que, antes dele, nunca ninguém se preocupara em saber o que ela pensava, ou se pensava. Nunca ninguém olhara para ela e a vira como uma pessoa autêntica, com sentimentos e pensamentos, todos os olhares a atravessavam como se fosse feita do cristal mais transparente. Olhavam-na e imediatamente a esqueciam, desculpe, como é que a senhora disse que se chamava?, ah! Nadia, sim, pois olhe, dona Maria, venha amanhã, que hoje já não a podemos atender. Ninguém lhe perguntava uma opinião, não lhes ocorria que ela pudesse dar-se ao luxo de ter ideias e juízos, servia apenas para cumprir ordens, lava isto, limpa aquilo, arruma aqueloutro, não te esqueças de dar alpista aos canários e de passear o cão, logo ela que odiava cães, não te esqueças de ir buscar os meninos à escola, logo ela que odiava crianças, não te esqueças, não te esqueças, não te esqueças, estúpida!, não te disse para levares o cão a passear?, agora limpa o cocó e depois arruma a sala que está um nojo.
Nadia disse que em certos fins de tarde, olhando-o contra a luz rasa e rosada, o cavalheiro era quase uma nuvem, sempre tão bonito!, o anjo mais belo do Senhor, e que não, que não fora ideia dele, ele nada dissera, não sugerira coisa alguma, apenas a observara em silêncio enquanto ela dissolvia os comprimidos para dormir, que roubara à patroa, na sopa da família. Finalmente, o casal e os meninos adormeceram e ela estendeu-os sobre o límpido mármore da sala e degolou-os, como fazia aos perus, primeiro a senhora, a seguir o patrão, a menina e o rapaz, sem pressa nem sentimento algum. Limpou a faca, lavou o chão. Só depois de concluído o trabalho, olhou para o cavalheiro. Este sorriu feliz, compôs a gravata, deu-lhe o braço e saíram os dois para passear como faziam sempre. Nadia disse que nessa noite dormiu muito bem, acordou refeita, tomou um banho longo e esperou na cozinha, sentada num banco de madeira, que a polícia a viesse buscar. Nadia disse que desde a fatídica noite não voltara a ver o elegante e perfumado cavalheiro.
Nadia disse que não se arrependia. Nadia disse que entregava o seu destino, a sua alma eterna, a um poder maior. Nadia foi condenada a 20 anos de prisão. Nadia morreu na sua cela seis anos mais tarde. Nadia morreu sorrindo.
– Como vai, minha sobrinha?
Dava-lhe o braço para atravessar as ruas.
Nadia disse que o elegante cavalheiro nunca se apresentou de maneira formal. Não referiu nenhum ofício ou ocupação. Nem sequer mencionou como preferia ser tratado. Era óbvio, porém, o seu imenso poder que exercia com uma autoridade distraída. Nas passadeiras, por exemplo, o semáforo estava invariavelmente verde para eles. Num fim de tarde, quase apático — era verão, uma sexta-feira —, um automobilista não viu o sinal e atirou-se contra os dois. O acompanhante de Nadia ergueu a mão direita, brevemente, levemente, numa fleuma de aristocrata, e logo o carro travou num agudo chiar de pneus, atirando o motorista contra o volante.
Nadia disse que ele nunca lhe ofereceu coisa alguma, nem joias, nem sapatos, nem promessas de uma agradável vida eterna. Não foi como se a tivesse conduzido até ao miradouro mais alto da cidade, para a seduzir com riquezas inumeráveis:
– Tudo isto pode ser teu, querida sobrinha.
Não. Não foi assim. O elegante e perfumado cavalheiro discorria amavelmente sobre os pequenos dramas e as irrelevantes comédias do quotidiano. Nadia disse que ele a divertia.
Era muito engraçado.
Nadia disse que ele a escutava atentamente, como se tudo o que ela dissesse fosse importante. Nadia disse que, antes dele, nunca ninguém se preocupara em saber o que ela pensava, ou se pensava. Nunca ninguém olhara para ela e a vira como uma pessoa autêntica, com sentimentos e pensamentos, todos os olhares a atravessavam como se fosse feita do cristal mais transparente. Olhavam-na e imediatamente a esqueciam, desculpe, como é que a senhora disse que se chamava?, ah! Nadia, sim, pois olhe, dona Maria, venha amanhã, que hoje já não a podemos atender. Ninguém lhe perguntava uma opinião, não lhes ocorria que ela pudesse dar-se ao luxo de ter ideias e juízos, servia apenas para cumprir ordens, lava isto, limpa aquilo, arruma aqueloutro, não te esqueças de dar alpista aos canários e de passear o cão, logo ela que odiava cães, não te esqueças de ir buscar os meninos à escola, logo ela que odiava crianças, não te esqueças, não te esqueças, não te esqueças, estúpida!, não te disse para levares o cão a passear?, agora limpa o cocó e depois arruma a sala que está um nojo.
Nadia disse que em certos fins de tarde, olhando-o contra a luz rasa e rosada, o cavalheiro era quase uma nuvem, sempre tão bonito!, o anjo mais belo do Senhor, e que não, que não fora ideia dele, ele nada dissera, não sugerira coisa alguma, apenas a observara em silêncio enquanto ela dissolvia os comprimidos para dormir, que roubara à patroa, na sopa da família. Finalmente, o casal e os meninos adormeceram e ela estendeu-os sobre o límpido mármore da sala e degolou-os, como fazia aos perus, primeiro a senhora, a seguir o patrão, a menina e o rapaz, sem pressa nem sentimento algum. Limpou a faca, lavou o chão. Só depois de concluído o trabalho, olhou para o cavalheiro. Este sorriu feliz, compôs a gravata, deu-lhe o braço e saíram os dois para passear como faziam sempre. Nadia disse que nessa noite dormiu muito bem, acordou refeita, tomou um banho longo e esperou na cozinha, sentada num banco de madeira, que a polícia a viesse buscar. Nadia disse que desde a fatídica noite não voltara a ver o elegante e perfumado cavalheiro.
Nadia disse que não se arrependia. Nadia disse que entregava o seu destino, a sua alma eterna, a um poder maior. Nadia foi condenada a 20 anos de prisão. Nadia morreu na sua cela seis anos mais tarde. Nadia morreu sorrindo.
sábado, janeiro 25
Cada um com sua gramática
Um bom texto é aquele que, internamente, articula a sua própria gramática. Cada texto tem sua gramática. Um exemplo disso é o legado do Graciliano Ramos. Há uma gramática em São Bernardo, outra em Vidas Secas e uma terceira, por exemplo, em Angústia. Cada livro parece ter sido escrito por um autor diferente. Alguém pode ler e gostar de Vidas Secas e considerar São Bernardo um livro mal escrito. De fato, alguns críticos consideraram São Bernardo, na época do lançamento, uma obra ruim e, posteriormente, a crítica se deu conta de que a gramática daquele livro é perfeita, única, do jeito que aquele texto foi escritoJiro Takahashi
sexta-feira, janeiro 24
Mudar de vida
Sentia-me ridícula, os meus colegas da Faculdade de Direito falavam dos seus planos, pertencer a um prestigiado gabinete de advogados, concorrer à magistratura, enveredar pela carreira diplomática, deitar mão aos bons empregos da CEE a que Portugal acabara de aderir, e eu descarrilada, tentando justificar o pouco entusiasmo com as saídas profissionais da licenciatura, Quero ser escritora. Não levava a mal os sorrisos trocistas, sabia que a minha confissão era tanto mais infantil quanto eu nada tinha publicado, em vez de diários ou poemas próprios da juventude, escrevia romances inteirinhos que queimava na lareira de casa dos meus pais. Prometia a mim mesma, Quando eles falarem dos seus projetos e ambições, fico calada, mas chegada a hora escapava-se-me sempre, Quero ser escritora. Indiferente ao ridículo, rendida ao ridículo. O mesmo ridículo que senti há dias, quando me deixei ficar deitada num colchão de uma loja de mobiliário, enquanto outros clientes passavam por mim.
Mais coisa menos coisa, o ortopedista havia concluído, Um bom colchão e acabam-se as suas queixas. Ia perguntar, Como se sabe se um colchão é bom?, mas ele estendeu-me a mão para se despedir. Já na receção, a sua secretária, gelinho nas unhas e as sobrancelhas arqueadas num eterno espanto, cobrou-me a consulta, Quer número de contribuinte?, e eu que sim, dá jeito nos impostos, e depois a habitual confusão, 176…, o meu embaraço por não conseguir dizer um número que sei de cor desde que ninguém mo pergunte, 17667…, É melhor ver no cartão, Espere, tenho de pôr os óculos, o raio dos números são tão pequenos, aposto que na cabeça dos outros pacientes, Mas donde é que saiu esta abécula, aguardámos que a impressora pigarreante despejasse o meu recibo, Aqui tem, as melhoras, e eu, Obrigada, igualmente, desculpe, não tem de melhorar de nada, é a força do hábito, Essa porta é a da casa de banho, a da saída é ao lado, Claro, estava distraída, que confusão a minha. Nunca aprendi a compostura que os outros exibem nos consultórios médicos, nas repartições de finanças, nos lugares de tratar de assuntos sérios.
Por entre outras peças de mobiliário, a gigantesca loja tinha dezenas de camas. Sobre cada cama, um colchão. Os preços iam das poucas centenas a milhares de euros. A variedade dos materiais também era considerável e nem sempre inteligível para mim, viscoelástico, molas ensacadas, látex, espuma, a que se seguiam as combinações, molas com viscoelástico, espuma com… Socorri-me da primeira funcionária que se cruzou comigo, alta, magra, a farda vermelha bem engomada, Há ainda mais do dobro em catálogo, esclareceu, o que procura? Expliquei-lhe as maleitas que me haviam levado ao ortopedista, Para o seu caso só estou a ver três tipos de colchões possíveis, disse, antes de me conduzir pelos corredores, Queira deitar-se neste, se faz favor. Fi-lo, timidamente, deixando os pés de fora da cama para não sujar nada, É assim que dorme? perguntou-me com rispidez. Não era, mas não tinha coragem de me enrolar em posição fetal à frente dos outros clientes que passeavam pelas avenidas bordejadas de camas com o Last Christmas, I gave you my heart a servir de banda sonora. Levantei-me ao fim de alguns segundos, Tem de ficar deitada pelo menos cinco minutos, repreendeu-me a funcionária, para perceber o que o seu corpo lhe diz. O timbre autoritário da sua voz convidava à obediência.
Ali fiquei deitada, os olhos fechados, sob as fortes luzes acesas, tentando não pensar nos outros clientes que, perto de mim, analisavam as vantagens do pack colchão e sommier, almofadas japonesas desenhadas para acompanhar a cervical e outras promoções. Terminados os cinco minutos, comecei a dar a minha opinião, Shiuuu, não diga nada agora, só por comparação é que pode saber se um colchão é bom para si, percebe?, a competente funcionária respondia-me assim de forma clara ao que eu não ousara perguntar ao ortopedista. Fez-me segui-la, parando aqui e ali, para que eu repousasse os indispensáveis cinco minutos que permitiam que o meu corpo se entendesse com os colchões que ela selecionava. Por fim, levou-me para junto da caixa registadora, Agora, sim, estamos prontas para decidir, diga-me por favor a sua opinião. Hierarquizei as minhas preferências, justificando-as como se estivesse num exame da faculdade ou numa entrevista de emprego.
Receei ter dito qualquer coisa errada ao ver a expressão da funcionária a descompor-se, Faço isto todos os dias, a voz dela era agora bamba, e garanto-lhe que tem um dom, não sei em que trabalha, mas se alguma vez quiser mudar de vida, pode ter um belo emprego. Balbuciei umas palavras sem nexo, tão perdida estava no que me parecia ser uma piada. Ah sim?, que emprego, perguntei. Experimentadora de colchões!, as pessoas sentem as diferenças óbvias, mas pouca gente dá conta dos detalhes que referiu, detalhes fundamentais para que cada um consiga encontrar o seu colchão perfeito, você é uma excelente experimentadora de colchões, pode ganhar bom dinheiro com isso. Ainda pensei tratar-se de uma ousada técnica de marketing, mas a funcionária parecia sincera.
Cedo o horizonte de uma vida se vinca e nos dobra: daqui não passas. É raro surgir uma janela que nos mostre outros horizontes, quanto mais uma porta ou um alçapão que permita aceder-lhes. Estava divertidamente seduzida pela possibilidade de outra vida, quando uma angústia me assaltou: é improvável alguém ter dois talentos verdadeiros, e se afinal a minha vocação não for escrever, mas experimentar colchões? Tento tranquilizar-me pensando que uma coisa não difere muito da outra, que ambas se podem resumir à capacidade de estar atenta a mim, quer me deite num colchão ou me entregue a uma personagem. Pelo sim, pelo não, passei a dormir no sofá da sala.
Dulce Maria Cardoso
Mais coisa menos coisa, o ortopedista havia concluído, Um bom colchão e acabam-se as suas queixas. Ia perguntar, Como se sabe se um colchão é bom?, mas ele estendeu-me a mão para se despedir. Já na receção, a sua secretária, gelinho nas unhas e as sobrancelhas arqueadas num eterno espanto, cobrou-me a consulta, Quer número de contribuinte?, e eu que sim, dá jeito nos impostos, e depois a habitual confusão, 176…, o meu embaraço por não conseguir dizer um número que sei de cor desde que ninguém mo pergunte, 17667…, É melhor ver no cartão, Espere, tenho de pôr os óculos, o raio dos números são tão pequenos, aposto que na cabeça dos outros pacientes, Mas donde é que saiu esta abécula, aguardámos que a impressora pigarreante despejasse o meu recibo, Aqui tem, as melhoras, e eu, Obrigada, igualmente, desculpe, não tem de melhorar de nada, é a força do hábito, Essa porta é a da casa de banho, a da saída é ao lado, Claro, estava distraída, que confusão a minha. Nunca aprendi a compostura que os outros exibem nos consultórios médicos, nas repartições de finanças, nos lugares de tratar de assuntos sérios.
Susa Monteiro |
Ali fiquei deitada, os olhos fechados, sob as fortes luzes acesas, tentando não pensar nos outros clientes que, perto de mim, analisavam as vantagens do pack colchão e sommier, almofadas japonesas desenhadas para acompanhar a cervical e outras promoções. Terminados os cinco minutos, comecei a dar a minha opinião, Shiuuu, não diga nada agora, só por comparação é que pode saber se um colchão é bom para si, percebe?, a competente funcionária respondia-me assim de forma clara ao que eu não ousara perguntar ao ortopedista. Fez-me segui-la, parando aqui e ali, para que eu repousasse os indispensáveis cinco minutos que permitiam que o meu corpo se entendesse com os colchões que ela selecionava. Por fim, levou-me para junto da caixa registadora, Agora, sim, estamos prontas para decidir, diga-me por favor a sua opinião. Hierarquizei as minhas preferências, justificando-as como se estivesse num exame da faculdade ou numa entrevista de emprego.
Receei ter dito qualquer coisa errada ao ver a expressão da funcionária a descompor-se, Faço isto todos os dias, a voz dela era agora bamba, e garanto-lhe que tem um dom, não sei em que trabalha, mas se alguma vez quiser mudar de vida, pode ter um belo emprego. Balbuciei umas palavras sem nexo, tão perdida estava no que me parecia ser uma piada. Ah sim?, que emprego, perguntei. Experimentadora de colchões!, as pessoas sentem as diferenças óbvias, mas pouca gente dá conta dos detalhes que referiu, detalhes fundamentais para que cada um consiga encontrar o seu colchão perfeito, você é uma excelente experimentadora de colchões, pode ganhar bom dinheiro com isso. Ainda pensei tratar-se de uma ousada técnica de marketing, mas a funcionária parecia sincera.
Cedo o horizonte de uma vida se vinca e nos dobra: daqui não passas. É raro surgir uma janela que nos mostre outros horizontes, quanto mais uma porta ou um alçapão que permita aceder-lhes. Estava divertidamente seduzida pela possibilidade de outra vida, quando uma angústia me assaltou: é improvável alguém ter dois talentos verdadeiros, e se afinal a minha vocação não for escrever, mas experimentar colchões? Tento tranquilizar-me pensando que uma coisa não difere muito da outra, que ambas se podem resumir à capacidade de estar atenta a mim, quer me deite num colchão ou me entregue a uma personagem. Pelo sim, pelo não, passei a dormir no sofá da sala.
Dulce Maria Cardoso
Sou o que leio
Se você notar bem, se me olhar com cuidado, verá que ainda tenho um relógio de bolso que trouxe do País das Maravilhas, onde aprendi a tomar chá com a Rainha de Copas. Além daquela Alice, fiquei amiga de outra, na fazenda do Boqueirão, que me contou histórias de Teresópolis enquanto esperávamos por Mário voltar da Europa no Tronco do Ipê.
Alencar, na verdade, é responsável pela Aurélia que vive em mim, mulher desafiadora dos costumes da época que, em Senhora, me ensinou o que é vingança. De Capitu não tenho nada, mas aprendi com Bentinho, a desconfiar. Machado deu o nome ao meu cachorro, Quincas. Dancei minha primeira valsa ao lado de Carolina em Paquetá e me apaixonei pelo Moço Loiro como Honorina o fez.
Com Lobato aprendi a caçar sacis, visitei a lua, o país da gramática e saboreei os quitutes de Tia Nastácia. Só não tenho o pó de pirlimpimpim porque Emília não me deixou trazer.
Acompanhando uma Condessa, chorei calorosas lágrimas pelos Desastres de Sofia e Memórias de um burro; mais ou menos na mesma época em que descobri, nas Cartas do Meu Moinho, que até um reverendo francês pode morrer de gula e que há tempestades de gafanhotos destruidores, no mundo.
Viajei com Simbad, dei a Volta ao mundo em oitenta dias, fui vinte-mil léguas ao fundo do mar. Naufraguei e fiquei presa numa ilha com um cara chamado Sexta-feira, mas também descobri um tesouro, na Ilha de Montecristo, que permitiu vingar-me de um crime contra mim. Fui um dos mosqueteiros da Gasconha e, com um pequeno príncipe, aprendi “que sou responsável por aquilo que cativo.”
Fui, com mapa na mão, à procura de tesouros numa ilha guiada por Robert Louis Stevenson. E me aventurei pelas selvas africanas à cata das Minas do Rei Salomão com H. Rider Haggard.
Conheci Numero Um, o filho de Charlie Chan com quem resolvi crimes no Havaí. Já com Arsène Lupin, andei do outro lado da trilha, à maneira de Ivanhoé, roubando os ricos. Fui princípe e pobre com Mark Twain e com ele também viajei através do tempo quando fui um Connecticut Yankee na corte do rei Arthur.
Tudo isso antes de completar treze anos. Depois dos treze é outra história. Os livros ficaram mais complexos, assim como eu. Como poderia ter tanta experiência com tão pouca idade? Sabe, sou o que leio.Ladyce West
quarta-feira, janeiro 22
Saudade
Conversávamos sobre saudade. E de repente me apercebi de que não tenho saudade de nada. Isso independente de qualquer recordação de felicidade ou de tristeza, de tempo mais feliz, menos feliz. Saudades de nada. Nem da infância querida, nem sequer das borboletas azuis, Casimiro. Nem mesmo de quem morreu. De quem morreu sinto é a falta, o prejuízo da perda, a ausência. A vontade da presença, mas não no passado, e sim a presença atual. Saudade será isso? Queria tê-los aqui, agora. Voltar atrás? Acho que não, nem com eles.
A vida é uma coisa que tem que passar, uma obrigação de que é preciso dar conta. Uma dívida que se vai pagando todos os meses, todos os dias. Parece loucura lamentar o tempo em que se devia muito mais.
Queria ter palavras boas, eficientes, para explicar como é isso de não ter saudades; fazer sentir que estou exprimindo um sentimento real, a humilde, a nua verdade. Você insinua a suspeita de que talvez seja isso uma atitude. Meu Deus, acha- me capaz de atitudes, pensa que eu me rebaixaria a isso? Pois então eu lhe digo que essa capacidade de morrer de saudades, creio que ela só afeta a quem não cresceu direito; feito uma cobra que se sentisse melhor na pele antiga, não se acomodasse nunca à pele nova. Mas nós, como é que vamos ter saudades de um trapo velho que não nos cabe mais?
Fala que saudade é sensação de perda. Pois é. E eu lhe digo que, pessoalmente, não sinto que perdi nada. Gastei, gastei tempo, emoções, corpo e alma. E gastar não é perder, é usar até consumir.
E não pense que estou a lhe sugerir tragédias. Tirando a média, não tive quinhão por demais pior que o dos outros. Houve muito pedaço duro, mas a vida é assim mesmo, a uns traz os seus golpes mais cedo e a outros mais tarde; no fim, iguala a todos.
Infância sem lágrimas, amada, protegida. Mocidade, mas a mocidade já é de si uma etapa infeliz. Coração inquieto que não sabe o que quer, ou quer demais. Qual será, nesta vida, o jovem satisfeito? Um jovem pode nos fazer confidências de exaltação, de embriaguez; de felicidade, nunca. Mocidade é a quadra dramática por excelência, o período dos conflitos, dos ajustamentos penosos, dos desajustamentos trágicos. A idade dos suicídios, dos desenganos e por isso mesmo dos grandes heroísmos. É o tempo em que a gente quer ser dono do mundo, e ao mesmo tempo sente que sobra nesse mesmo mundo. A idade em que se descobre a solidão irremediável de todos os viventes. Em que se pesam os valores do mundo por uma balança emocional, com medidas baralhadas; um quilo às vezes vale menos do que uma grama; e por essas medidas pode-se descobrir a diferença metafísica que há entre uma arroba de chumbo e uma arroba de plumas.
Nem sei mesmo como, entre as inúmeras mentiras do mundo, se consegue manter essa mentira maior de todas: a suposta felicidade dos moços. Por mim, sempre tive pena deles, da sua angústia e do seu desamparo. Enquanto esta idade madura a que chegamos você e eu, é o tempo da estabilidade e das batalhas ganhas. Já pouco se exige, já pouco se espera. E mesmo quando se exige muito, só se espera o possível. Se as surpresas são poucas, poucos também os desenganos. A gente vai se aferrando a hábitos, a pessoas e objetos. Aí, um dos piores tormentos dos jovens é justamente o desapego das coisas, essa instabilidade do querer, a sede do que é novo, o tédio do possuído.
E depois há o capítulo da morte, sempre presente em todas as idades. Com a diferença de que a morte é a amante dos moços e a companheira dos velhos. Para os jovens ela é abismo e paixão. Para nós, foi se tornando pouco a pouco uma velha amiga, a se anunciar devagarinho: o cabelo branco, a preguiça, a ruga no rosto, a vista fraca, os achaques. Velha amiga que vem de viagem e de cada porto nos manda um postal, para indicar que já embarcou.
Não, meu bem, não tenho saudades. Nem sequer do primeiro dia em que nos vimos, daqueles primeiros e atormentados dias de insegurança e deslumbramento. Considero uma benção e um privilégio esse passado que ficou para atrás de nós, vencido. Afinal, já andamos bastante caminho, temos direito ao sossego, a esta desambição, esta paz. Vivemos, não foi? Fizemos muito. E nem por isso deixamos de ainda ter muito o que fazer. A velhice que vai chegar com as suas doenças e trabalhos. E ainda virá a grande crise da morte em que um de nós, necessariamente, terá que ajudar o outro. Espero que aquele que ficar só, embora triste, se sinta tranquilo, na segurança de que a sua vez não tarda. Que aí, só lhe resta a pagar a última prestação.
terça-feira, janeiro 21
Treinamento para escritor
Naqueles três anos como aluno do ensino médio nos subúrbios de Nova Jersey, Ferguson de dezesseis, dezessete e dezoito anos começou a escrever vinte e sete contos, terminou dezenove e passou não menos de uma hora por dia com o que chamava de seus cadernos de trabalho, que ia enchendo com diversos exercícios de escrita que inventava para si mesmo, a fim de manter a forma, afiar a pegada e tentar melhorar (como ele disse certa vez para Amy): descrições de objetos físicos, paisagens, céus no amanhecer, rostos humanos, animais, o efeito da luz na neve, o barulho da chuva no vidro, o cheiro de madeira queimada, a sensação de andar na neblina e ouvir o vento soprar entre os galhos das árvores; monólogos na voz de outras pessoas a fim de se transformar naquelas pessoas ou, pelo menos, tentar entendê-las melhor (o pai, a mãe, o padrasto, Amy, Noah, seus professores, seus colegas de colégio,o sr. e a sra Federman), mas também pessoas desconhecidas e mas distantes, como J. S. Bach, Franz Kafka, a garota do caixa do supermercado local, o cobrador da Companhia Ferroviária Erie Lackawanna, o mendigo barbado que lhe pediu um dólar na Grand Central Station; imitações de admirados, rigorosos, inimitáveis escritores do passado (pegue um paragrafo de Hawthorne, por exemplo, e componha algo baseado no seu modelo sintático, usando um verbo nos lugares onde ele usava um verbo, um substantivo nos lugares onde ele usava um substantivo, um adjetivo nos lugares onde ele usava um adjetivo — a fim de sentir o ritmo nos ossos, sentir como se forma a música); uma sequência curiosa de vinhetas geradas por trocadilhos, homonímias e deslocamento de uma letra: óleo/olho, luxo/luto, alma/lama; porto/morto e arroubos impetuosos de escrita automática, a fim de limpar o cérebro, toda vez que estiver se sentindo tolhido, como um jorro de escrita de quatro páginas inspirada pela palavra “nômade”, que começava assim: Não, eu não estou doido. Não estou nem zangado, mas me dê uma chance para desnortear você e num instante eu vou te deixar com os bolsos vazios. Também escreveu uma peça em um ato, que ele queimou de desgosto uma semana depois de terminar, e vinte e três poemas que estavam entre os mais nojentos que qualquer cidadão do Novo Mundo jamais viu e que ele rasgou depois de jurar para si mesmo que nunca mais ia escrever poemas. No geral, detestava o que escrevia. No geral, achava que era burro e sem talento e que jamais conseguiria escrever nada, mesmo assim insistia, se esforçava a se dedicar àquilo todos os dias, apesar dos resultados muitas vezes decepcionantes, entendia que não haveria esperança para ele, a menos que persistisse, que para ser o escritor que almejava levaria anos, mais anos do que seu próprio corpo levaria para terminar de crescer, e toda vez que escrevia algo que parecia ligeiramente menos ruim do que o texto que tinha escrito antes, Ferguson achava que estava progredindo, ainda que o texto seguinte se revelasse uma abominação, pois a verdade era que ele não tinha opção, estava destinado a fazer aquilo ou então morrer, porque, apesar de seus esforços e de seu descontentamento com as coisas mortas que muitas vezes saíam dele, fazer aquilo lhe dava a sensação de estar vivo, mais do que qualquer outra coisa que já tinha feito na vida, e quando as palavras começavam a cantar em seus ouvidos e ele se sentava diante da escrivaninha e empunhava a caneta ou colocava os dedos nas teclas da máquina de escrever, sentia-se nu, nu e exposto ao vasto mundo que passava em disparada na sua frente, e nada dava uma sensação melhor do que isso, nada podia se equiparar à sensação de desaparecer de si mesmo e entrar no vasto mundo cantarolando, por dentro, as palavras que cantarolava, no interior de sua cabeça.
Paul Auster, "4321"
O meu lugar
Paul Milner |
Eu tenho um lugar. Por isso, nunca me perco no mundo imenso.
Posso estar a falar com a minha mãe, como há dois dias atrás, e ela diz-me: aquele sobreiro que fica entre o campo da bola e o Monte da Torre. E, entre tantos, eu sei exactamente qual o sobreiro a que se refere. Essa é a precisão com que sei o meu lugar. As ruas, calcetadas com paralelos, suportam o meu pensamento desde que nasci. Em gestos largos, os muros são caiados anualmente porque o branco precisa de renovação, a pureza é uma tarefa permanente.
Esses foram os anos em que viajou pelo mundo inteiro. Não sei que voz irá dizer esta frase sobre a minha vida neste tempo. O mais provável será ser eu próprio a dizê-la: Esses foram os anos em que viajei pelo mundo inteiro. Em qualquer dos casos, essa frase será dita quando já não aguentar o ritmo deste tempo, desta idade em que atravesso oceanos como se rodasse sobre mim próprio. Com os olhos cheios, quando paro de repente, o chão balança, a paisagem ondula. É então que o meu lugar, paz/certeza, me nivela.
Eu tenho um lugar. Por isso, nunca me perco no mundo imenso.
Com tantas viagens, como é que consegue escrever? Ouço esta questão de muitas vozes, em muitas línguas, vinda de pessoas que nunca se conhecerão umas às outras. Dou qualquer resposta que me pareça satisfazê-las rapidamente. Às vezes, nem preciso usar palavras, basta sorrir. Quem faz perguntas não está sempre interessado em saber as respostas.
No tom prosaico dessas conversas, seria difícil explicar que eu tenho um lugar, está sempre comigo. É visível e invisível. Há oliveiras centenárias agarradas a essa terra. Há uma forma de respirar que só é possível sob essa aragem. Há fontes de bicas fartas, onde jorra tudo o que amo e me ama.
Quando era pequeno, os campos eram enormes. Cresci mais do que podia imaginar e, no entanto, os campos continuam enormes. Entre o que me puxa de um lado e de outro, há o meu lugar a manter-me firme, a fornecer-me equilíbrio infinito. A diferença de forças é incomparável. Por isso, nunca me perco no mundo imenso.
Levo comigo uma origem e um destino. Levo comigo um sentido. Irreversível como um mergulho, não me perturbo. Eu tenho um lugar. Sinto que lhe conheço cada detalhe e, no entanto, todos os dias o exploro e lhe encontro novidade. No meu lugar, os sinos do adro dão as horas.
É difícil vermo-nos a nós próprios, sei bem. Falta a perspectiva da distância, os espelhos distorcem, o rosto com que nos olham está sempre tingindo pela cor que trazem por dentro. É também por isso que me faz tanta falta o meu lugar. Sem ele, talvez acreditasse no primeiro reflexo que me apresentassem. Sem ele, talvez dependesse desses humores para imaginar quem sou.
Assim, estou preparado para atravessar o mundo inteiro. E, se mais mundo houver, mais mundo será tocado pela minha pele. Mi-nha pe-le, palavras pronunciadas sílaba a sílaba. E nenhum continente é demasiado grande ou demasiado estéril para me impedir de atravessá-lo. E nenhum detector de metais conseguirá identificar o tamanho e os ângulos do lugar que levo comigo: amor. Repito: amor.
Eu tenho um lugar. Por isso, nunca me perco no mundo imenso.
Ainda rodo sobre mim próprio e, depois do mundo fosco, preciso de acreditar na nitidez que transporto, esse lugar meu, onde descanso e onde não sou um postal de tiragens sem fim, sempre deturpado um pouco mais, um pouco mais, milímetro a milímetro. Agradeço todo o contraste que consigo trazer para o caminho que construo. Não coloco limites nas temperaturas a que quero sujeitar os meus sentidos e nas lições que quero aprender. Mas felizmente, tenho o meu lugar. Acompanha-me como um deus.
segunda-feira, janeiro 20
Uma morte interrompida
Outros amigos, quase sempre num tom muito pouco respeitoso para quem se dirige a um defunto, pediam informações sobre o além: a cerveja é boa, tem samba e futebol?
Saí para a rua, animado com a perspetiva de passar invisível por toda a gente, desde que não tropeçasse no garotinho d’ “O sexto sentido”, o qual, aliás, se transformou entretanto num gordinho barbudo e simpático, mas sem nenhum talento para ver fantasmas.
Não tive sorte. Convicto da minha invisibilidade, fui para as ruas de Maputo descalço, com umas bermudas velhas. Um polícia parou-me na esquina, falando comigo em inglês. Percebi logo duas coisas:
Não tive sorte. Convicto da minha invisibilidade, fui para as ruas de Maputo descalço, com umas bermudas velhas. Um polícia parou-me na esquina, falando comigo em inglês. Percebi logo duas coisas:
1. Mesmo morto, continuava visível.
2. Acabava de ser confundido com um bôer sul-africano.
2. Acabava de ser confundido com um bôer sul-africano.
Em qualquer cidade da África ao sul do Saara, um branco descalço só pode ser um bôer. Bôeres insistem em andar descalços por toda a parte, talvez como uma forma de reivindicarem a sua ligação telúrica ao continente, ou como recordação das origens camponesas. Nenhum africano de pele clara gosta de ser confundido com um bôer. Indignei-me:
— Sou angolano!
— Sou angolano!
O polícia lançou-me um olhar de profunda reprovação:
— E por que está descalço? Quer que o confundam com um sul-africano?
Desculpei-me:
— É que morri!
Mostrei-lhe as mensagens dos amigos e da ex-mulher. Aquela última pareceu impressioná-lo:
— A sua ex-senhora tem toda a razão — disse-me. — Você devia tê-la informado de que se encontrava moribundo.
— Comi alguma coisa que me fez mal no réveillon — protestei. — Estava vagamente indisposto, não moribundo. Além disso, se você consegue ver-me é porque não morri. Houve algum engano.
— Então toda essa gente que lhe escreveu está enganada?
— Certamente. Você acha mesmo que estou morto?
— Não sei, não sou especialista. Em todo o caso, se não está morto, está descalço. Volte para casa e resolva esse assunto.
Enquanto voltava para casa ligou-me um amigo. A Televisão Pública de Angola, TPA, que anunciara o meu falecimento, ou melhor, que divulgara uma notícia dizendo que eu havia recebido um prêmio literário a título póstumo, já corrigira o erro. “Uma pena”, acrescentou o meu amigo, “porque estávamos a preparar um komba [festa na qual se celebra o morto], bem animado.”
Sugeri que se fizesse um komba pela língua portuguesa, tão maltratada nos jornais e nas televisões, não só em Angola, mas também no Brasil e até em Portugal. Ele pensou um pouco: “Pode ser. Mas quem paga a cerveja?”
José Eduardo Agualusa
Sugeri que se fizesse um komba pela língua portuguesa, tão maltratada nos jornais e nas televisões, não só em Angola, mas também no Brasil e até em Portugal. Ele pensou um pouco: “Pode ser. Mas quem paga a cerveja?”
José Eduardo Agualusa
domingo, janeiro 19
O transitório definitivo
O meu fim é Santa Maria, castelo de passarinhos…
Me casaram várias vezes. Aos homens que feri em brigas pelo caminho, eu dizia: – Não há de ser nada; estou de passagem para Santa Maria.
E às mulheres que abracei: – Fiquem com os filhos. Eu levo a lembrança. Estou indo para Santa Maria, castelo de passarinhos.
Entre as muitas aldeias de pouso, numa acordei com banda de música e gente debaixo da sacada: – Senhor, sabemos que estais de passagem. Aqui ninguém presta. Aceitai ser o nosso chefe.
– Eu também não presto, respondi. E estou de passagem. Deixai-me dormir…
E bati-lhe a veneziana.
Fiquei. Armei pontes, retifiquei o rio. Construí piscinas e um auditório onde preguei a centenas de ouvintes.
Falaram-me de algumas precisões: um chafariz, uma igreja, uma escola, talvez uma nova seita. Que eu poderia etc…
Abri jardim para os namorados, horrorizei-me de meu próprio busto erguido entre as flores do canteiro principal.
E quando a moça mais linda que eu estreitara nos braços gemia: “Ó tu que para sempre será meu!”, logo eu atalhava: “Não pode ser, minha filha, não pode ser… Estou seguindo para Santa Maria, castelo de passarinhos…”.
Mais adiante, me condenaram. Respondi aos juízes:
– Para quê, se estou de passagem para Santa Maria? Mais vale, em vez da pena, um banho delicioso no rio.
E segui caminho.
Há mais de cinqüenta anos que estou indo para Santa Maria. O que não é sacrifício para quem sabe que há de chegar.
E enquanto não chego, vou-me distraindo à minha maneira, ora rindo, ora gemendo.
Os pequenos acontecimentos avultam aos meus olhos, os grandes se amesquinham.
Tomo parte na vida das cidades, nos negócios dos homens. E se acaso tropeço, não é contra as pedras, é contra a minha sombra.
Prendo-me aos seres e objetos com o fervor de quem vai perdê-los para sempre. Porque afinal este mundo, tal como está, se eu gosto dele um bocadinho, é no momento mesmo em que penso largá-lo. Mas isso eu nunca digo.
E vou andando…
Se alguém pergunta quem sou, respondem todos: – Não se sabe. Vive dizendo que está indo para um castelo de passarinhos…
Sempre assim.
Quando a vida me aborrece, largo tudo de repente, apanho a trouxa, e vou tocando devagarinho para Santa Maria, castelo de passarinhos…
Me casaram várias vezes. Aos homens que feri em brigas pelo caminho, eu dizia: – Não há de ser nada; estou de passagem para Santa Maria.
E às mulheres que abracei: – Fiquem com os filhos. Eu levo a lembrança. Estou indo para Santa Maria, castelo de passarinhos.
Entre as muitas aldeias de pouso, numa acordei com banda de música e gente debaixo da sacada: – Senhor, sabemos que estais de passagem. Aqui ninguém presta. Aceitai ser o nosso chefe.
– Eu também não presto, respondi. E estou de passagem. Deixai-me dormir…
E bati-lhe a veneziana.
Fiquei. Armei pontes, retifiquei o rio. Construí piscinas e um auditório onde preguei a centenas de ouvintes.
Falaram-me de algumas precisões: um chafariz, uma igreja, uma escola, talvez uma nova seita. Que eu poderia etc…
Abri jardim para os namorados, horrorizei-me de meu próprio busto erguido entre as flores do canteiro principal.
E quando a moça mais linda que eu estreitara nos braços gemia: “Ó tu que para sempre será meu!”, logo eu atalhava: “Não pode ser, minha filha, não pode ser… Estou seguindo para Santa Maria, castelo de passarinhos…”.
Mais adiante, me condenaram. Respondi aos juízes:
– Para quê, se estou de passagem para Santa Maria? Mais vale, em vez da pena, um banho delicioso no rio.
E segui caminho.
Há mais de cinqüenta anos que estou indo para Santa Maria. O que não é sacrifício para quem sabe que há de chegar.
E enquanto não chego, vou-me distraindo à minha maneira, ora rindo, ora gemendo.
Os pequenos acontecimentos avultam aos meus olhos, os grandes se amesquinham.
Tomo parte na vida das cidades, nos negócios dos homens. E se acaso tropeço, não é contra as pedras, é contra a minha sombra.
Prendo-me aos seres e objetos com o fervor de quem vai perdê-los para sempre. Porque afinal este mundo, tal como está, se eu gosto dele um bocadinho, é no momento mesmo em que penso largá-lo. Mas isso eu nunca digo.
E vou andando…
Se alguém pergunta quem sou, respondem todos: – Não se sabe. Vive dizendo que está indo para um castelo de passarinhos…
Sempre assim.
Quando a vida me aborrece, largo tudo de repente, apanho a trouxa, e vou tocando devagarinho para Santa Maria, castelo de passarinhos…
Aníbal Machado
Pseudônimos literários
Vi há dias um pequeno livro no fundo de uma estante, uma coletânea de contos em edição brasileira, que custei a identificar. Mas reconheci de que livro se tratava pela dedicatória. O autor é um antigo executivo de uma grande empresa portuguesa instalada em S. Paulo (Brasil), oriundo da política e conhecedor da literatura clássica e contemporânea, no período áureo do governo de António Guterres. Uma edição de autor sob pseudónimo, “tenho um nome a preservar, apareço todos os dias na Gazeta Mercantil”, o mais importante diário económico do país, justificou-se na altura.
Lembrei-me de um velho amigo, Jorge Valadas, antigo oficial da Armada, vive em França desde que desertou em meados dos anos 60, que assinava os seus livros traduzidos em vários países com o pseudónimo Charles Reeve, em homenagem a um dos fundadores do primeiro clube anarquista da Austrália. “Pensas em homenagear alguém com o teu pseudónimo?”, “Não, não”, respondeu-me o executivo. Ponderei que o uso de pseudónimos estava fora de moda, os editores não consideram um bom negócio e “já há décadas que se perdeu o preconceito contra a ficção, mesmo a ficção comercial ou os chamados géneros menores”. Ele parou para pensar. “Eu pago a edição”, respondeu-me de forma categórica. “Pseudónimo?”, sussurrei.
O imperador Dom Pedro I do Brasil usou os pseudónimos “Duende” ou “Inimigo dos marotos” em jornais para insultar inimigos políticos; Anne Rice (1941), conhecida escritora norte-americana, assina A. N. Roquelaure para se debruçar sobre temas eróticos; o também norte-americano Michael Crichton (1942) assinou John Lange para editar romances de espionagem que o ajudaram a pagar a faculdade de medicina; Machado de Assis (1839-1908) para editar crónicas ou defender opiniões políticas usou os pseudónimos Lélio e Sousa Barradas, entre outros, e às vésperas da abolição da escravatura no Brasil criticava severamente os grandes agricultores com o nome “Boas Noites” (só descoberto 50 anos após a sua morte); Jorge Luís Borges (1899-1986) usou o nome Bustos Domecq para publicar novelas policiais junto com o seu amigo escritor Adolfo Bioy Casares; Olavo Bilac (1865-1918) usou os nomes Arlequim, Pierrô, entre outros para participar de polémicas em jornais e editar folhetins, entre 1890 e 1893.
Já Victor Leal publicou O esqueleto, A mortalha de Alzira e Paula Matos ou o Monte de Socorro, no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, com um enorme êxito, textos românticos contra a dominante escola naturalista da ficção narrativa da época. A sua figura desenhada por um ilustrador, mostrava um homem magro, de monóculo, chapéu de abas largas e um comprido nariz, que não era encontrada nos cafés e meios literários. Ele não existia. Tratava-se do pseudónimo de quatro escritores, o romancista Aloísio Azevedo, Olavo Bilac, o dramaturgo Coelho Neto e o jornalista Pardal Mallet.
George Eliot e George Sand, na verdade a inglesa Mary Ann Evans e a francesa Amandine Dupin, respetivamente, em meados do século XIX, impuseram-se com os seus pseudónimos masculinos e outras os usaram para defender a causa feminista. Stephen King, especialista em livros “de terror”, criou o pseudónimo Richard Bachman para explorar a literatura de entretenimento. Enfim, o uso de pseudónimos na literatura constitui um universo que merece um estudo aprofundado.
Estávamos a almoçar em um dos mais caros restaurantes de S. Paulo e, a dado momento, recordo que ele, o executivo, disse-me em tom de brincadeira: “Não foi por teres desertado de uma fragata na cidade da Beira que Portugal perdeu a guerra colonial, mas sinto que deste uma pequeníssima ajuda moral ao êxito da Frente de Libertação de Moçambique, não achas? Uma borboleta bate as asas na China e provoca uma tempestade em… ”, e sorrimos.
Pu-lo em contacto com um editor, o livro foi publicado alguns meses depois com pseudónimo e recebi um exemplar autografado pelo correio. “És a única pessoa que sabes que o autor desse livro sou eu”, disse-me com evidente alegria alguns dias depois, pelo telefone.
A escrita de ficção é uma experiência intensa que aborda o que não queremos que esteja presente na vida, as emoções que nos governam nos momentos mais importantes, o fracasso, a dor, a morte, a mentira (um bom mentiroso só diz meias verdades), o destino de todos nós (ricos ou pobres vamos ser esquecidos), pensei, enquanto folheava o livro dele quando o redescobri no fundo de uma estante.
Dias depois, li alguns dos contos, inspirados na violência diária na cidade de S. Paulo, na literatura urbana brasileira, narrados na primeira pessoa com linguagem popular. Pensei em procurar contactá-lo. Será que iria reconhecê-lo depois de tantos anos? Dir-lhe-ia que relera o livro que ele editara no Brasil nos anos 90 do século passado, o que provocou um chuvisco em mim, não uma tempestade, certamente alguma borboleta cansada batera com pouca força as asas na China…e iríamos rir bastante, estou certo disso.
Lembrei-me de um velho amigo, Jorge Valadas, antigo oficial da Armada, vive em França desde que desertou em meados dos anos 60, que assinava os seus livros traduzidos em vários países com o pseudónimo Charles Reeve, em homenagem a um dos fundadores do primeiro clube anarquista da Austrália. “Pensas em homenagear alguém com o teu pseudónimo?”, “Não, não”, respondeu-me o executivo. Ponderei que o uso de pseudónimos estava fora de moda, os editores não consideram um bom negócio e “já há décadas que se perdeu o preconceito contra a ficção, mesmo a ficção comercial ou os chamados géneros menores”. Ele parou para pensar. “Eu pago a edição”, respondeu-me de forma categórica. “Pseudónimo?”, sussurrei.
O uso de pseudónimos literários, muito usual até aos anos 50 do século passado, é normalmente associada à preocupação com a reputação ou a posteridade. Mas nem sempre foram estes os motivos. O autor de O que diz Molero – “um livro-chave do nosso tempo”, como referiu Eduardo Lourenço -, Dinis Machado, usou o pseudónimo Dennis McShade para escrever livros policiais de apelo popular, cuja receita lhe foi muito útil por ocasião do nascimento de uma filha. Marcello Mathias (1903-1999), ministro dos Negócios Estrangeiros entre 1958 e 1961, e embaixador de Portugal em Paris durante 24 anos durante o Estado Novo, editou em 1973 o livro Lusco-Fusco com o pseudónimo Pablo La Noche por motivos que desconheço. O livro teve um extraordinário acolhimento por parte da crítica (tendo sido galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros e publicado e premiado em França com o “Rayonnement Français”), em 1976, já com o verdadeiro nome do autor e o título Pablo la Noche, o mesmo acontecendo depois no Rio de Janeiro (Ed. Civilização Brasileira) nos anos 90 e em 2008 pela Ed. Quetzal (Lisboa) com o mesmo título.
O imperador Dom Pedro I do Brasil usou os pseudónimos “Duende” ou “Inimigo dos marotos” em jornais para insultar inimigos políticos; Anne Rice (1941), conhecida escritora norte-americana, assina A. N. Roquelaure para se debruçar sobre temas eróticos; o também norte-americano Michael Crichton (1942) assinou John Lange para editar romances de espionagem que o ajudaram a pagar a faculdade de medicina; Machado de Assis (1839-1908) para editar crónicas ou defender opiniões políticas usou os pseudónimos Lélio e Sousa Barradas, entre outros, e às vésperas da abolição da escravatura no Brasil criticava severamente os grandes agricultores com o nome “Boas Noites” (só descoberto 50 anos após a sua morte); Jorge Luís Borges (1899-1986) usou o nome Bustos Domecq para publicar novelas policiais junto com o seu amigo escritor Adolfo Bioy Casares; Olavo Bilac (1865-1918) usou os nomes Arlequim, Pierrô, entre outros para participar de polémicas em jornais e editar folhetins, entre 1890 e 1893.
Já Victor Leal publicou O esqueleto, A mortalha de Alzira e Paula Matos ou o Monte de Socorro, no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, com um enorme êxito, textos românticos contra a dominante escola naturalista da ficção narrativa da época. A sua figura desenhada por um ilustrador, mostrava um homem magro, de monóculo, chapéu de abas largas e um comprido nariz, que não era encontrada nos cafés e meios literários. Ele não existia. Tratava-se do pseudónimo de quatro escritores, o romancista Aloísio Azevedo, Olavo Bilac, o dramaturgo Coelho Neto e o jornalista Pardal Mallet.
George Eliot e George Sand, na verdade a inglesa Mary Ann Evans e a francesa Amandine Dupin, respetivamente, em meados do século XIX, impuseram-se com os seus pseudónimos masculinos e outras os usaram para defender a causa feminista. Stephen King, especialista em livros “de terror”, criou o pseudónimo Richard Bachman para explorar a literatura de entretenimento. Enfim, o uso de pseudónimos na literatura constitui um universo que merece um estudo aprofundado.
Estávamos a almoçar em um dos mais caros restaurantes de S. Paulo e, a dado momento, recordo que ele, o executivo, disse-me em tom de brincadeira: “Não foi por teres desertado de uma fragata na cidade da Beira que Portugal perdeu a guerra colonial, mas sinto que deste uma pequeníssima ajuda moral ao êxito da Frente de Libertação de Moçambique, não achas? Uma borboleta bate as asas na China e provoca uma tempestade em… ”, e sorrimos.
Pu-lo em contacto com um editor, o livro foi publicado alguns meses depois com pseudónimo e recebi um exemplar autografado pelo correio. “És a única pessoa que sabes que o autor desse livro sou eu”, disse-me com evidente alegria alguns dias depois, pelo telefone.
A escrita de ficção é uma experiência intensa que aborda o que não queremos que esteja presente na vida, as emoções que nos governam nos momentos mais importantes, o fracasso, a dor, a morte, a mentira (um bom mentiroso só diz meias verdades), o destino de todos nós (ricos ou pobres vamos ser esquecidos), pensei, enquanto folheava o livro dele quando o redescobri no fundo de uma estante.
Dias depois, li alguns dos contos, inspirados na violência diária na cidade de S. Paulo, na literatura urbana brasileira, narrados na primeira pessoa com linguagem popular. Pensei em procurar contactá-lo. Será que iria reconhecê-lo depois de tantos anos? Dir-lhe-ia que relera o livro que ele editara no Brasil nos anos 90 do século passado, o que provocou um chuvisco em mim, não uma tempestade, certamente alguma borboleta cansada batera com pouca força as asas na China…e iríamos rir bastante, estou certo disso.
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