domingo, janeiro 26

O que disse Nadia

Nadia disse que um senhor elegante e perfumado costumava esperá-la ao final da tarde, à saída do emprego. Acompanhava-a até casa, discorrendo alegremente sobre as pequenas comédias do dia a dia. Nadia sabia quem ele era, soube assim que o viu pela primeira vez. O senhor elegante cumprimentava-a com educação:

– Como vai, minha sobrinha?

Dava-lhe o braço para atravessar as ruas.


Nadia disse que o elegante cavalheiro nunca se apresentou de maneira formal. Não referiu nenhum ofício ou ocupação. Nem sequer mencionou como preferia ser tratado. Era óbvio, porém, o seu imenso poder que exercia com uma autoridade distraída. Nas passadeiras, por exemplo, o semáforo estava invariavelmente verde para eles. Num fim de tarde, quase apático — era verão, uma sexta-feira —, um automobilista não viu o sinal e atirou-se contra os dois. O acompanhante de Nadia ergueu a mão direita, brevemente, levemente, numa fleuma de aristocrata, e logo o carro travou num agudo chiar de pneus, atirando o motorista contra o volante.

Nadia disse que, nas praças e nos jardins, as pombas nunca os molestavam. Afastavam-se, em bandos temerosos, muito antes que o casal se aproximasse. Os cães encolhiam-se, ganindo, evitando pisar a sombra do misterioso cavalheiro. Nadia disse que ao redor deles o ar era sempre tépido, qualquer que fosse a estação do ano, como se o senhor elegante fosse a fonte de uma primavera perpétua.

Nadia disse que ele nunca lhe ofereceu coisa alguma, nem joias, nem sapatos, nem promessas de uma agradável vida eterna. Não foi como se a tivesse conduzido até ao miradouro mais alto da cidade, para a seduzir com riquezas inumeráveis:

– Tudo isto pode ser teu, querida sobrinha.

Não. Não foi assim. O elegante e perfumado cavalheiro discorria amavelmente sobre os pequenos dramas e as irrelevantes comédias do quotidiano. Nadia disse que ele a divertia.

Era muito engraçado.

Nadia disse que ele a escutava atentamente, como se tudo o que ela dissesse fosse importante. Nadia disse que, antes dele, nunca ninguém se preocupara em saber o que ela pensava, ou se pensava. Nunca ninguém olhara para ela e a vira como uma pessoa autêntica, com sentimentos e pensamentos, todos os olhares a atravessavam como se fosse feita do cristal mais transparente. Olhavam-na e imediatamente a esqueciam, desculpe, como é que a senhora disse que se chamava?, ah! Nadia, sim, pois olhe, dona Maria, venha amanhã, que hoje já não a podemos atender. Ninguém lhe perguntava uma opinião, não lhes ocorria que ela pudesse dar-se ao luxo de ter ideias e juízos, servia apenas para cumprir ordens, lava isto, limpa aquilo, arruma aqueloutro, não te esqueças de dar alpista aos canários e de passear o cão, logo ela que odiava cães, não te esqueças de ir buscar os meninos à escola, logo ela que odiava crianças, não te esqueças, não te esqueças, não te esqueças, estúpida!, não te disse para levares o cão a passear?, agora limpa o cocó e depois arruma a sala que está um nojo.

Nadia disse que em certos fins de tarde, olhando-o contra a luz rasa e rosada, o cavalheiro era quase uma nuvem, sempre tão bonito!, o anjo mais belo do Senhor, e que não, que não fora ideia dele, ele nada dissera, não sugerira coisa alguma, apenas a observara em silêncio enquanto ela dissolvia os comprimidos para dormir, que roubara à patroa, na sopa da família. Finalmente, o casal e os meninos adormeceram e ela estendeu-os sobre o límpido mármore da sala e degolou-os, como fazia aos perus, primeiro a senhora, a seguir o patrão, a menina e o rapaz, sem pressa nem sentimento algum. Limpou a faca, lavou o chão. Só depois de concluído o trabalho, olhou para o cavalheiro. Este sorriu feliz, compôs a gravata, deu-lhe o braço e saíram os dois para passear como faziam sempre. Nadia disse que nessa noite dormiu muito bem, acordou refeita, tomou um banho longo e esperou na cozinha, sentada num banco de madeira, que a polícia a viesse buscar. Nadia disse que desde a fatídica noite não voltara a ver o elegante e perfumado cavalheiro.

Nadia disse que não se arrependia. Nadia disse que entregava o seu destino, a sua alma eterna, a um poder maior. Nadia foi condenada a 20 anos de prisão. Nadia morreu na sua cela seis anos mais tarde. Nadia morreu sorrindo.

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