Kim Younggon |
A primeira história que escutei ela contar foi a da caipora, que era uma mulher com apenas uma banda. Protegia as matas e os bichos. Se encontrasse o caçador, castigava, fazendo que ele não achasse o caminho de volta. Uma vez um caçador ouviu uma voz que lhe disse para não caçar mais nas matas. O caçador não ligou e foi bem do dele caçar na mata. Encontrou um jacu e atirou nele sem perder tempo. O pássaro voou e veio com as garras ferir o caçador, que caiu no chão. Deu o segundo tiro no jacu, que voou mais rápido dessa vez e com as garras afiadas furou os olhos do caçador, que chegou em casa cambaleando e ensanguentado. O caçador então escutou a voz dizer: “Eu não disse pra você não ir caçar na mata! Com a caipora não se brinca!” Edelzuíta falou que, quando o caçador se perde na mata por causa da caipora, a única maneira dele achar o caminho de volta é deixar fumo e cachaça pra ela no pé da árvore.
Depois eu escutei ela contar a história do saci, o negrinho de uma perna só, que usava uma carapuça vermelha. Saía à noite para espantar os cavalos e os burros. Montava nos animais e entrançava as crinas. No outro dia, o vaqueiro encontrava os cavalos e os burros espalhados lá longe pelas capoeiras e pastos.
A noite ficava ora alegre, ora suave, quanto mais ela contava uma história. Uma noite, aconteceu ela contar a história da menina dos brincos de ouro.
“Era uma vez uma mãe que deu uns brincos de ouro à filha mais nova. A menina costumava tirar os brincos e colocá-los em cima de uma pedra quando ia à lagoa buscar água e tomar banho. Um dia ela foi à lagoa, tomou banho, encheu a lata e esqueceu os brincos. Com medo de ser castigada pela mãe, voltou à lagoa para buscar os brincos. Chegando lá, encontrou um velho muito feio, que a agarrou, botou nas costas e a levou consigo. O velho botou a menina dentro do surrão, que era um saco grande. Coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida. Quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão, senão ele batia com o bordão. Em toda porta que chegava, o velho botava o surrão no chão e dizia: “Canta, canta meu surrão, senão te meto este bordão”. E o surrão cantava com sua voz triste: “Neste surrão me meteram, neste surrão hei de morrer, por causa de uns brincos de ouro, que na fonte fui esquecer”.
“Todo mundo ficava admirado quando ouvia o surrão cantar e dava dinheiro ao velho. Aí um dia o velho chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. Logo ela convidou o velho para comer e beber e, como já era tarde, pediu que ele dormisse ali em sua casa. De noite, como ele tinha bebido muito, ferrou no sono. E roncou até de manhã. Aí a mãe e as outras filhas abriram o surrão e tiraram a menina que estava muito fraquinha, quase para morrer. Em lugar da menina, a mãe e as filhas encheram o surrão com excrementos. No dia seguinte, o velho pegou o surrão, botou nas costas e partiu cedo. Parou adiante, bateu na porta de uma casa. Perguntou ao dono se não queria ouvir um surrão cantar. Botou o surrão no chão e disse: “Canta, canta meu surrão, senão te meto este bordão”. Nada do surrão cantar. Não gostando, o velho repetiu a ordem. Nada. Sem se conter, o velho meteu o cacete no surrão que se arrebentou e mostrou o que estava dentro dele. O velho percebeu a peça que tinham pregado nele, ficou com tanta raiva que ali mesmo caiu morto no chão.”
A gente não sabia o que era melhor quando Edelzuíta contava uma história. Se o prazer que a história causava em cada trecho que ela contava ou a mansidão de sua voz enchendo os nossos corações de puro encantamento. Cada um de nós escutava atento e estava sempre querendo mais.
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