Uma amiga me manda a foto de uma livraria antiga em Lisboa. Sabe o quanto gosto delas, em especial as livrarias de rua (alô, alô, Realejo!), de passear por entre os corredores, sentir os cheiros, folhear livros conhecidos, descobrir novos.
É uma bela livraria, tem aquela personalidade que falta às livrarias de shopping, tão iguais. Mas, convenhamos, só para ficarmos em Lisboa, há livrarias mais interessantes. Eu acho.
Levo um tempo até descobrir o motivo pelo qual a foto me foi mandada. Eis que vejo colado na vitrine um recado escrito à mão numa cartolina: “Três dias a podar rosas com meu amigo Alfredo. Uma delícia. Reabro na terça.”
Pois, então, além de vender poesia, a livraria expõe poesia.
Até terça, ficará fechada. Para os amantes de livrarias, é uma pena. Em compensação, não imagino motivo mais justo: as roseiras têm urgência. Em geral, roseiras são plantadas em jardins, e desejo de coração que, entre uma poda e outra, haja duas cadeiras no jardim para uma pausa e uma boa prosa com o amigo Alfredo. Talvez até haja café e broas.
Nunca podei rosas. É uma falha na minha existência. Já plantei algumas árvores, mas nunca em companhia de um amigo Alfredo ou de qualquer outro. Plantei com Beatriz, elas cresceram e, todo ano, na época devida, dão flor e chamam passarinho. Se uma árvore não dá flor nem chama passarinho, e só colabora com aquele negócio de fornecer oxigênio e tal, ela perde muito enquanto árvore. Eu acho.
No Brasil há muitas árvores e jardins. Nesse quesito estamos bem. Mas não me conformo com nossas cidades de 50 mil, 80 mil habitantes, sem uma única livraria. O(a) leitor(a) dirá que se pode comprar pela internet. Claro que é muito útil, prático, mas não é a mesma coisa que fuçar nas prateleiras, conversar com o livreiro, um vendedor que saiba do seu ofício, recomende autores, dê dicas. Entrar numa livraria, em verdade, é visitar um amigo. Virginia, Paul, Gabriel, Mario, Cecilia, Rubem, Carlos, Manuel, Manoel, até, eventualmente, um Alfredo.
Muito diferente é uma venda de livros. Aquele lugar onde o vendedor não tem ideia do que está fazendo ali, não conhece os autores, pouco leu; se, em vez de livro, fosse jujuba, picles ou parafuso, para ele daria na mesma. Eu acho.
Uma livraria que se preza tem uma personalidade, algo indefinível, intocável, que está no ar. Alma, é essa a palavra. A boa livraria tem uma alma que zela por nosso espírito. Às vezes é visível naqueles pozinhos que dançam no ar quando entra uma luz de sol pela janela.
“Três dias a podar rosas com meu amigo Alfredo. Uma delícia. Reabro na terça.” Peço a algum amigo em Lisboa que vá terça-feira à livraria, quando reabrir; entre, ande um pouco pelos corredores (nem precisa comprar nada) e dê um abraço na boa criatura que escreveu o cartaz.
Há mais poesia no recado do que em muito livro. Eu acho.
Cássio Zanatta
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