O pé de goiaba tinha nascido junto da parede nos fundos da casa. Nenhum menino queria se arriscar a roubar goiaba madura no quintal daquela velha resinguenta e cachimbeira. Tinha medo de ser flagrado pela velha quando estivesse lá em cima na goiabeira. Talvez nem conseguisse subir na árvore. Pela manhã, a velha Maricota ficava no pátio dos fundos lavando a roupa na bacia. Passava a manhã inteira lavando roupa para pendurar depois no quaradouro.
Jane Newland |
De tarde gostava de ficar no pátio, sentada numa cadeira de vime. Escutava os passarinhos fazer algazarra nas árvores, bicando as frutas maduras. Às vezes cantava umas cantigas tolas, que ninguém entendia. Dizia-se na cidade que ela ficou viúva cedo. O marido era dono de um caminhão velho. Morreu numa curva da estrada, já perto da cidade. O caminhão furou o pneu, descontrolou-se e desceu a ribanceira. Só parou lá no fundo do buraco enorme, que encobria um sobrado. Ninguém conseguiu retirar o caminhão lá de dentro, ficou lá no fundo do buraco como uma coisa velha amassada, a carroceria foi arrancada para fora. O motorista foi jogado para fora da boleia antes de o caminhão chegar ao fim da ribanceira.
Como não tinha filho, comentava-se que a velha Maricota ficava cantando aquelas cantigas tristes na cadeira de vime quando caía a tarde porque tinha saudade do marido. Uma gata arisca fazia companhia à velha, que andava nos passos arrastados. Para onde ela ia, a gata seguia, ora dando pinotes atrás, ora miando a seu lado. Parecia mais um desses cachorros que só não fica perto do dono quando ele não está em casa.
Mas tinha uma manhã que a velha Maricota não ficava em casa. Pensei nisso quando a vi uns três sábados seguidos com a cesta, comprando as coisas na feira, atrás da estação do trem. Aí tive a ideia de roubar as goiabas maduras no quintal da casa dela quando a velha fosse fazer sua feira no próximo sábado.
Quando chegou o sábado, pedi à mãe para me dispensar de ir para a feira com ela daquela vez. Disse que não estava me sentindo bem, tinha amanhecido com dor de cabeça. Ela me deu para tomar um comprimido de Melhoral para a dor de cabeça passar. Tomei o remédio com um copo d’água sem pestanejar, dando a entender à minha mãe que precisava ficar deitado na cama, quieto, para que a dor de cabeça não piorasse. Ela chegou a apalpar meu rosto para saber se eu estava com febre. Como não sentisse nada de mais em minha testa, disse que esperava que a dor de cabeça tivesse ido embora quando voltasse da feira.
Foi só minha mãe dobrar a esquina, ligeiro saí lá de casa, tomando na rua a direção da casa da velha Maricota. Lá chegando, verifiquei se a velha já tinha ido para a feira. Não havia dúvida disso. Todas as portas e janelas da casa estavam trancadas. A gata devia estar lá dentro ferrada no sono. Também não era aquela gata que ia atrapalhar meu plano de roubar muita goiaba madura no quintal da velha. Se ainda fosse um cachorro feroz, como aquele que guardava o quintal com árvores frutíferas da casa do coletor, aí não havia jeito mesmo de roubar goiaba ou outra fruta madura.
O pior da aventura estava para acontecer. Só fui saber disso quando recebi o enxame de picadas no pescoço. Saltei rápido da goiabeira para o chão, sem temer quebrar uma perna ou um braço. Comecei a correr com os olhos turvos, aflito, sem saber que direção devia tomar. Passava as mãos na cabeça e no pescoço várias vezes, sentindo que matava um bocado de bichinhos que continuavam ferroando meu couro cabeludo.
Quando minha mãe voltou da feira, encontrou-me na cama com febre alta. Eu tinha o rosto inchado, os olhos vermelhos, não conseguia dizer uma palavra. Ela chamou a vizinha para ver se descobria o que tinha acontecido comigo. Quando me viu com o rosto inchado, a vizinha ficou tão assustada quanto minha mãe. Não tinha ideia do que havia acontecido comigo. Eu não conseguia dizer uma palavra por mais que me esforçasse.
Sorte foi o pai ter sido encontrado na rua do comércio e avisado sobre o que tinha acontecido com o filho. Ele não demorou em chegar lá em casa, foi direto para o quarto para me ver com o rosto arroxeado, sem poder dizer uma palavra. Pediu que eu mostrasse a língua. Estava inchada. Abrisse bem a garganta, que estava quase fechada. Viu minha capanga com algumas goiabas dentro. Perguntou se eu tinha apanhado as goiabas no quintal de algum vizinho. Balancei a cabeça, dando a entender que sim. Não pensou duas vezes, disse que aquilo tinha sido picada de maribondo tapa-goela. Quando picava, aquele tipo de maribondo deixava a vítima sem fala por alguns dias. Tinha acontecido com ele quando era menino.
Fiquei sem falar uns dois dias. No terceiro dia foi que comecei a dizer as primeiras palavras, que saíam roucas, sem que ninguém entendesse. A voz só foi clarear depois que tomei a quinta injeção sob recomendação do médico, um moderninho e de olhos vesgos.Tinha instalado seu consultório há pouco tempo na rua do comércio. A injeção doía muito quando a agulha penetrava o líquido oleoso em minhas carnes. A cada injeção que me era aplicada, fazia esforço para não urinar nem borrar o pijama.
Quem gostou que aquilo acontecesse comigo foi o Nando Corró. Ele disse que se os maribondos tapa-goela não tivessem me atacado, certamente a vítima seria ele. Tinha descoberto primeiro do que eu a goiabeira carregada de goiaba madura no quintal da casa da velha Maricota. Apenas estava aguardando uma boa oportunidade em que a velha não estivesse em casa para também encher sua capanga com aquelas goiabas madurinhas e docinhas. Só de olhar para elas, do lado de fora da cerca, dava água na boca.
Cyro de Mattos
Como não tinha filho, comentava-se que a velha Maricota ficava cantando aquelas cantigas tristes na cadeira de vime quando caía a tarde porque tinha saudade do marido. Uma gata arisca fazia companhia à velha, que andava nos passos arrastados. Para onde ela ia, a gata seguia, ora dando pinotes atrás, ora miando a seu lado. Parecia mais um desses cachorros que só não fica perto do dono quando ele não está em casa.
Mas tinha uma manhã que a velha Maricota não ficava em casa. Pensei nisso quando a vi uns três sábados seguidos com a cesta, comprando as coisas na feira, atrás da estação do trem. Aí tive a ideia de roubar as goiabas maduras no quintal da casa dela quando a velha fosse fazer sua feira no próximo sábado.
Quando chegou o sábado, pedi à mãe para me dispensar de ir para a feira com ela daquela vez. Disse que não estava me sentindo bem, tinha amanhecido com dor de cabeça. Ela me deu para tomar um comprimido de Melhoral para a dor de cabeça passar. Tomei o remédio com um copo d’água sem pestanejar, dando a entender à minha mãe que precisava ficar deitado na cama, quieto, para que a dor de cabeça não piorasse. Ela chegou a apalpar meu rosto para saber se eu estava com febre. Como não sentisse nada de mais em minha testa, disse que esperava que a dor de cabeça tivesse ido embora quando voltasse da feira.
Foi só minha mãe dobrar a esquina, ligeiro saí lá de casa, tomando na rua a direção da casa da velha Maricota. Lá chegando, verifiquei se a velha já tinha ido para a feira. Não havia dúvida disso. Todas as portas e janelas da casa estavam trancadas. A gata devia estar lá dentro ferrada no sono. Também não era aquela gata que ia atrapalhar meu plano de roubar muita goiaba madura no quintal da velha. Se ainda fosse um cachorro feroz, como aquele que guardava o quintal com árvores frutíferas da casa do coletor, aí não havia jeito mesmo de roubar goiaba ou outra fruta madura.
O pior da aventura estava para acontecer. Só fui saber disso quando recebi o enxame de picadas no pescoço. Saltei rápido da goiabeira para o chão, sem temer quebrar uma perna ou um braço. Comecei a correr com os olhos turvos, aflito, sem saber que direção devia tomar. Passava as mãos na cabeça e no pescoço várias vezes, sentindo que matava um bocado de bichinhos que continuavam ferroando meu couro cabeludo.
Quando minha mãe voltou da feira, encontrou-me na cama com febre alta. Eu tinha o rosto inchado, os olhos vermelhos, não conseguia dizer uma palavra. Ela chamou a vizinha para ver se descobria o que tinha acontecido comigo. Quando me viu com o rosto inchado, a vizinha ficou tão assustada quanto minha mãe. Não tinha ideia do que havia acontecido comigo. Eu não conseguia dizer uma palavra por mais que me esforçasse.
Sorte foi o pai ter sido encontrado na rua do comércio e avisado sobre o que tinha acontecido com o filho. Ele não demorou em chegar lá em casa, foi direto para o quarto para me ver com o rosto arroxeado, sem poder dizer uma palavra. Pediu que eu mostrasse a língua. Estava inchada. Abrisse bem a garganta, que estava quase fechada. Viu minha capanga com algumas goiabas dentro. Perguntou se eu tinha apanhado as goiabas no quintal de algum vizinho. Balancei a cabeça, dando a entender que sim. Não pensou duas vezes, disse que aquilo tinha sido picada de maribondo tapa-goela. Quando picava, aquele tipo de maribondo deixava a vítima sem fala por alguns dias. Tinha acontecido com ele quando era menino.
Fiquei sem falar uns dois dias. No terceiro dia foi que comecei a dizer as primeiras palavras, que saíam roucas, sem que ninguém entendesse. A voz só foi clarear depois que tomei a quinta injeção sob recomendação do médico, um moderninho e de olhos vesgos.Tinha instalado seu consultório há pouco tempo na rua do comércio. A injeção doía muito quando a agulha penetrava o líquido oleoso em minhas carnes. A cada injeção que me era aplicada, fazia esforço para não urinar nem borrar o pijama.
Quem gostou que aquilo acontecesse comigo foi o Nando Corró. Ele disse que se os maribondos tapa-goela não tivessem me atacado, certamente a vítima seria ele. Tinha descoberto primeiro do que eu a goiabeira carregada de goiaba madura no quintal da casa da velha Maricota. Apenas estava aguardando uma boa oportunidade em que a velha não estivesse em casa para também encher sua capanga com aquelas goiabas madurinhas e docinhas. Só de olhar para elas, do lado de fora da cerca, dava água na boca.
Cyro de Mattos
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