quinta-feira, novembro 12

Literatura realista

- Mas leia, nem que seja só por curiosidade.

- O que há nele que eu não tenha visto? - disso Oblómov. - Para que escrevem essas coisas? Só para se distrair...

- Como para se distrair? Tem tanta fidelidade, tanta fidelidade! Até dá vontade de rir. São como retratos vivos. Qualquer um que se escolha, seja um funcionário, seja um oficial, seja um guarda-cancela, é um retrato da própria vida.

- E por que então eles se esforçam tanto? Só pela diversão de tomar uma pessoa e mostrar com fidelidade como ela é? Só que a vida mesma não está aí: não há compreensão da vida nem compaixão nem aquilo que o senhor chama de humanidade. Só há vaidade e mais nada. Descrevem ladrões, mulheres caídas, como se os tivessem apanhado na rua e levado para a prisão. Nos contos deles se percebem não as "lágrimas invisíveis", mas apenas se veem risadas rudes, a maldade...

- E o que mais é necessário? É ótimo, o senhor mesmo declarou: a maldade chocante, o combate encarniçado contra a depravação, o riso de desprezo contra a pessoa decaída... tudo está lá!

- Não, nem tudo! - exclamou de súbito Oblómov. - Retrate um ladrão, uma mulher caída, um palerma cheio de si, está certo, mas não esqueça a pessoa mesma. Onde está a humanidade? O senhor quer escrever só com a cabeça! - quase chiou Oblómov. - O senhor acha que, para os pensamentos, não é necessário o coração? Não, a vida frutifica com o amor. Estenda a mão para a pessoa caída, para que ela se levante, ou chore amargamente por ela, se pereceu, mas não zombe. Ame, lembre que ela é como o senhor, trate essa pessoa como se fosse a si mesmo, e aí, sim, eu lerei seus escritos e curvarei minha cabeça diante do senhor... - disso Oblómov e deitou-se de novo tranquilo no sofá. - Eles imaginam ladrões, uma mulher caída - disse -, mas esquecem o próprio homem, ou não são capazes de imaginá-lo. Então que tipo de arte é essa, que belezas poéticas os senhores encontraram? Ponham a nu o deboche, a sordidez, mas, por favor, se a pretensão de fazer poesia.

- Então o senhor quer que se descreva a natureza: rosas, rouxinóis ou a geada da manhã, enquanto tudo ferve e se agita à nossa volta? Precisamos apenas da nua fisiologia da sociedade; agora não há espaço para canções...

- O homem, o homem, me deem o homem! - disso Oblómov. - Amem...

- Amar um agiota, um hipócrita, um funcionário tolo ou um ladrão... será possível? Aonde o senhor quer chegar? É evidente que o senhor tem interesse por literatura! - exaltou-se Piénkin. - Não, é preciso castigá-los, bani-los do meio civil, da sociedade...

- Bani-los do meio civil! - exclamou de repente Oblómov, inspirado, e se pôs de pé diante de Piénkin. - Isso significa esquecer que dentro desse invólucro imprestável está presente um princípio mais elevado; que esse é um homem degradado, mas continua a ser um homem, exatamente como os senhores. Banir! E como o senhor vai banir seres humanos da esfera da humanidade, do seio da natureza, da misericórdia divina? - quase gritou, os olhos em chamas.

Ivan Gontcharov, "Oblómov"

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