sábado, agosto 21

Os 'parasitas' que chegam

Tantos livros, meu Deus, e tão pouco tempo e, por vezes, tão pouca vontade de os ler! A minha própria biblioteca, que só recebia um volume depois de previamente lido e digerido, vai-se infestando de livros parasitas, que ali chegam muitas vezes não se sabe como e que, através de um fenômeno de magnetização e de aglutinação, contribuem para cimentar a montanha do ilegível; e, entre esses livros, perdidos, encontram-se os que eu escrevi. Não digo em cem anos, mas em dez, vinte, o que restará de tudo isto? Talvez só os autores de tempos imemoriais, a dúzia de clássicos que atravessam os séculos, tantas vezes sem muitos leitores, mas airosos e robustos, como que animados por uma espécie de impulso elementar ou de direito adquirido. Os livros de Camus, de Gide, que ainda há duas décadas se liam com tanta paixão, que interesse têm agora, apesar de escritos com tanto amor e tanto sofrimento? Porque é que daqui a cem anos se continuará a ler Quevedo e não Jean-Paul Sartre? Ou François Villon e não Carlos Fuentes? De que substância se deve fazer uma obra para que ela perdure? Dir-se-ia que a glória literária é uma loteria e a longevidade da arte um enigma. E, apesar de tudo, continua-se a escrever, a publicar, a ler, a glosar. Entrar numa livraria é pavoroso e paralisante para qualquer escritor, é como que a antecâmara do esquecimento: nos seus nichos de madeira, os livros já se preparam para dormir o seu sono perpétuo, muitas vezes antes de terem vivido. Qual foi o imperador chinês que destruiu o alfabeto e todos os vestígios da escrita? Não foi Heróstrato quem incendiou a biblioteca de Alexandria? Talvez só a devastação de tudo quanto foi escrito nos possa devolver o prazer da leitura, para podermos partir inocente e alegremente do zero.
Julio Ramón Ribeyro, "Prosas Apátridas"

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