quarta-feira, agosto 4

Os pesadelos com o lançamento do primeiro livro

Assim que comecei a escrever o livro surgiu a primeira paranoia: e se não aparecer ninguém no lançamento? Toda noite sonhava com a cena: o constrangimento pairando sobre a mesa no fundo da livraria, o olhar de pena dos vendedores, a minha mãe mandando um tsk, tsk, tsk não muito discreto, minha mulher convocando conhecidos para diminuir a vergonha. Esse pesadelo demorou algumas semanas até ir embora. Substituído, como sempre, por outro pior: e se aparece alguém, mas eu esqueço o nome? A pessoa entra, me entrega o livro e eu fico ali com cara de paisagem, esperando — inutilmente — o HD pegar no tranco. Devo explicar ao leitor que tenho — mais — esse defeito: lembro das pessoas, mas não dos nomes. Se essa maldição já me atrapalha o dia a dia, em lançamentos de livros pode ser mortal. Tem gente que tem alma boa e anota o nome num post-it, para facilitar a vida do escritor. Outras, ruins, maléficas, nefastas — como eu — não só não anotam o próprio nome como ainda escrevem algo bizarro, para se divertir vendo o autor perder o rebolado. Aqui se faz, aqui se paga. No pesadelo tento uma dedicatória tão carinhosa quanto genérica, mas a pessoa percebe que eu não lembrei seu nome e sai da livraria indignada com a falta de consideração. Os vendedores trocam a pena pelo deboche, a minha mãe substitui o tsk, tsk, tsk pelo puxão de orelhas, minha mulher troca os telefonemas para conhecidos por um para o advogado.

Sou bem preciso nos meus pesadelos.

O livro está saindo agora, durante a pandemia, então não vai ter lançamento presencial. O leitor mais sensato vai pensar: foi resolvido o problema do colunista. Não tão fácil assim, leitor, as minhas paranoias são tinhosas e trabalham 24 horas por dia, sete dias por semana. Nem em pandemias ou apocalipses elas tiram folga. E se eu não vender nenhum livro? A ideia do fracasso absoluto, o 7 x 1 literário, começou a me assombrar na semana passada. Já imaginava as pilhas encalhadas no depósito, a editora me cancelando, as traças esfregando as mãos com o futuro banquete. Diante da iminente tragédia, comecei a ligar para os meus amigos escritores, para saber se existe alguma taxa de constrangimento que fracassados devem pagar às editoras, como punição pelos livros encalhados. Disseram que nunca tinham ouvido falar, mas que fazia sentido. Quem sabe você vai ser o primeiro, disseram com um misto de sarcasmo e genuína inveja.

Comecei a pensar se não era o caso de ter escrito crônicas sobre outro assunto, histórias de pais e filhos devem estar meio por fora. Vai ver ser pai — ou filho — virou um estorvo, um atraso de vida. Deveria ter escrito sobre os sentimentos da moda: raiva, ódio e ressentimento. Isso sim ia me garantir um sono tranquilo. Agora é tarde, mas ainda posso vender os livros como calço de mesa.

O celular cortou o meu surto: um amigo avisando que comprou o livro. Ufa! Ao menos um. Um alívio. Ou será que está falando só para que eu pare de perturbar? Ele diz que outro conhecido também comprou, para dar de presente ao pai. Opa! Já são dois. Peraí: e se eles detestarem? E se retornarem às livrarias para exigir o dinheiro de volta? Será que a editora vai me cobrar algum tipo multa por vergonha alheia?

Já tenho pronto o pesadelo da semana.

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