quinta-feira, agosto 12

Quando desapareceram as cores?

No cinzento vórtice da sobrevivência, a felicidade cintila rarefeita e num sopro fugaz desaparece: ninguém sabe quando volta, ninguém sabe se volta. Que cada um abra com cautela o vidrinho de esperanças com o qual caçava vaga-lumes e aguarde em silêncio o melhor instante para capturar o tesouro.

Na noite passada sonhei com um arco-íris e isso vai parecer romântico, isso vai parecer infantil; mas talvez a felicidade esteja mesmo desatrelada do real e do adulto. O arco-íris estava fora de plausível contexto, simplesmente surgiu navegando num céu ainda emburrado, um sol tímido atrás, uma criança tímida olhando para cima (eu), porque nos sonhos de alegria eu sou sempre criança.

Desconfio que a Clarice Lispector acertou quando disse que o adulto é triste e solitário. A criança tem companhia, ainda que seja a de um arco-íris: e é lindo para ela, já que embaixo dele existe um tesouro.

O mais curioso é que a criança nunca idealiza dinheiro dentro do baú de ouro, ela pressente algo colorido, sempre e sempre colorido, pode ser uma boneca, um carrinho, quilos de balas ou uma caixinha de música. Para os tristes adultos um arco-íris é um fenômeno meteorológico em que o sol ilumina a umidade suspensa no ar. Além de triste e solitário, o adulto despreza a imaginação e jamais será capaz de conceber um tesouro-cúmplice do arco-íris; no máximo uma rota de fuga, pois o adulto tem raros momentos de coragem: nesses momentos pensa em fugir.

Mas a criança, não; a criança lida com a fantasia como com a mais séria realidade, a criança conversa com borboletas, oferece os dedos à morada de joaninhas, faz bolhas de sabão sarapintadas e luta para que o casulo não se dissolva: porque ali dentro habita um sonho.

Adultos espantam borboletas, matam joaninhas e não querem olhar para nada muito colorido para não sentirem o contraste com o frio monocromático das próprias almas. Adultos esqueceram as cores do arco-íris, só se lembram do preto e do branco. O preto da escuridão e o branco do tédio. Além do mais, adultos trocaram a fecunda palavra “sonho” pela árida palavra “projeto”. Adultos vivem de objetivos gerais e específicos, de perspectivas a curto, médio e longo prazo.

Mas o mais grave de tudo é que os adultos acham que têm algo a ensinar às crianças.

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