De manhã cedo perguntei à minha mãe por que Papai Noel se esquecera de deixar alguns presentes. Ela disse que era assim mesmo: com tantas crianças por aí, como é que o velho ia dar conta de todos os presentes? Quem sabe se no próximo ano…?
Mas no ano seguinte alguém na escola espalhou que Papai Noel só existia para crianças ingênuas. Dei adeus à ânsia e ao jambeiro iluminado, jantei com os adultos e fiquei acordado, ouvindo tio Adam, que provocava risos em todos, menos em tio Ghodor.
Adam era ansioso para enriquecer, mas um ansioso distraído nos negócios. Recordo as frases que ele disse na noite natalina de 1961: “Vocês vão ver: no próximo Natal, este que vos fala será um magnata”.
Um ano depois, quando ele estacionou sua lambreta velha na calçada da nossa casa, tio Ghodor disse: “Chegou o magnata no seu conversível de duas rodas”.
Conversaram sobre o recente empreendimento de Adam, um fiasco que deixara o infeliz empreendedor endividado e Ghodor, tenso, porque este pagava as dívidas do irmão. Pagou por dois anos seguidos. Na noite de Natal do terceiro ano, Ghodor disse: “Nessa família, eu sou o Papai Noel e o Adam é a única criança, um meninão de trinta e cinco anos. Chega de aventuras, Adam”.
“Mas tive uma ideia incrível, Ghodor.”
Tio Ghodor pôs as mãos na nuca, ergueu a cabeça para as estrelas e disse ao irmão: “Guarda essa tua ideia, pelo amor de Deus. O Papai Noel aqui está no vermelho”.
“Mas é uma ideia luminosa”, disse Adam. “Queres ser meu sócio?”
“Nem morto”, disse o irmão. “Por que eu seria sócio de mais um dos teus fracassos?”
Então Adam, perseverante e iluminado, pediu empréstimo a um banco e abriu uma sorveteria em abril do ano seguinte. No começo foi um estrondo. Era como se Adam tivesse encontrado seu destino de magnata. Ria sozinho, mas eu e meus amigos também ríamos, porque tomávamos sorvetes de graça. Ah, o perfume ácido do cupuaçu, o sabor singular do tucumã na massa cremosa… Adam dizia que era uma receita italiana adaptada às frutas do Amazonas. E quanto movimento! A sorveteria vivia cheia; meu tio, aspirante a magnata, era magnânimo com os empregados e com os amigos. E Adam tinha mais amigos que clientes. Até Ghodor pagava os sorvetes, mas a multidão de amigos de Adam comprava fiado.
“Adam é muito querido na cidade”, disse minha mãe, no auge da sorveteria.
“Queridíssimo”, concordou meu pai. “E muito mais ingênuo do que querido. Não dou seis meses para essa sorveteria derreter…”
O tio generoso e amoroso, mas moroso no comércio, pensou tarde demais num dos entraves para qualquer negócio em Manaus: o apagão. Os blecautes ocorriam sem aviso prévio: nossa única certeza é que eram infalíveis e duradouros. Adam comprou um gerador que ficava desligado durante a madrugada. Os inúmeros amigos e poucos clientes da sorveteria não queriam tomar suco amornado, e sim sorvete.
Em novembro a sorveteria fechou. Ghodor socorreu o irmão, mas este teve de vender sua casa, sua lambreta velha e os anéis que iam brilhar nas mãos de sua recente namorada, uma beleza cabocla muito mais vaidosa que idosa. Até os copinhos de papel foram a leilão.
Na noite de Natal meu tio falido chegou à nossa casa depois da ceia. Esse Adam dos becos e igarapés de Manaus entrou na sala sem sua Eva cabocla. Por comiseração ou cansaço, ninguém zombou dele.
Meu tio envelheceu com sonhos de magnata, sempre inspirado por ideias luminosas, nas quais só ele acreditava. Falia e fracassava com a nobreza de um perdedor que desconhece a amargura e o ressentimento. Mas esse perdedor me dava romances, e também moedas para que eu visse filmes no Éden e em outras salas escuras, onde as aventuras eróticas nem sempre aconteciam na tela. Ele foi o Noel da minha primeira e última juventude. Um Noel magro, moreno, elegante e altaneiro, péssimo jogador e bom bebedor nas horas vagas, que não eram poucas. E um compassivo contumaz, capaz de esvaziar os bolsos quando via crianças descalças, de pés esfolados, oferecendo serviços de engraxate sob o sol pecaminoso de Manaus.
Não há noite natalina em que a figura de Adam não surja viva diante de mim, mesmo sabendo que ele e os outros estão todos deitados, dormindo, profundamente, como no belo poema de Manuel Bandeira.
Milton Hatoum, "Um solitário à espreita"
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