O uso já tornou o velho banquinho
de cedro tão confortável quanto uma poltrona. São horas sentado nele, vendo a
mercadoria para colocar preço. Pilhas e pilhas de livros. Quando hoje chegou
uma remessa de livros, a maioria sobre o Rio antigo, até esqueci o tempo. A
madeira se acomodou ao corpo ou foi o corpo que se moldou à madeira? Talvez
tenha se tornado um assento de tílburi ou mesmo um banco de bonde, que só
existe hoje para os privilegiados moradores de Santa Teresa. Um tipo de
transporte paleontológico a rodar ainda muito nas páginas dos livros. E como
roda. Pode-se até ouvir o trotar dos cavalos nos tempos em que era puxado por animais.
O bom do livro é mesmo poder
passar por todas as épocas mesmo confortavelmente instalado num banquinho. E aí
me perdi em saudade do tempo que os escritores recuperaram para sempre. Para
Augusto Frederico Schmidt, o bonde “abria clareiras, pausas, sítios solares”.
Num trecho de “O Galo Branco”, o poeta “revê o passageiro, perdido nas suas
lembranças, o caminho nos trilhos”. Schmidt desenhou o bonde de sua época, já
elétrico, mas destinado à extinção: “O bond
era um lugar de leitura e de sonho. Ainda mais de sonho do que de leitura”.
Se era pouso do sonho, o bonde
fazia decolar a leitura. As rodas de ferro nos trilhos soavam como num trem; o
sacolejar era de barco; e tinha um jeitão de gaiola do rio Amazonas. A
velocidade era perfeita como num tapete de Aladim, que levava o passageiro
leitor para qualquer lugar e tempo. Em “São Paulo naquele tempo 1895-1915” , todo ilustrado pelo
autor, Jorge Americano descreveu aqueles veículos verdes com lâmpadas
coloridas para as pessoas distinguirem
as linhas à noite. Mil bondes estão nas páginas de gente do Nordeste e do Sul.
Seria uma boa viagem percorrer tantos anos e trilhos. Daria livro.
Bondes de todos os tempos que
levavam ao poeta Schmidt a explicação de seu hábito de despertar “nas portas da
aurora”. Grande Schmidt que apenas com o barulho do elétrico viajava mais longe
para a infância com os bondes puxados a burro na avenida Nossa Senhora de
Copacabana, quando viajou vestido à marinheiro com um gorro azul-marinho entre
homens que pareciam “respeitáveis e mesmo atemorizantes; quase todos usavam
bigodes”. Hoje o bonde virou apenas uma
foto nas páginas e atemoriza quando um grupo de pivetes resolve fazer um
“bonde” que arreste carteiras e bolsas. Mas nos livros o bonde ainda é sinônimo
de paz e leitura.
(de O Velho Livreiro)
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