Nem só tempo e bicho acabam com os livros no Brasil. O calor
faz estourar a cola usada na lombada; a umidade deixa marcas no papel. De
bicho, nem se fala. Um furinho quase sumido na capa pode esconder páginas
artisticamente rendadas pela fome de saúva dos cupins. Muito livro, se aberto,
se desmancha em papel picado. Não precisa ser um volume sexagenário. O cupim
ataca livros de qualquer idade com o mesmo estrago. Basta encontrar a estante
posta que se farta. Se a invasão for grande, a biblioteca corre o risco de ir
para a fogueira numa insana Inquisição.
Depois do bicho roedor, o grande inimigo mesmo está no bicho
homem. Espanto por quê? Apesar de criar o livro, ser seu maior e fiel amante
por muitos anos, quando não estiver de olho, o volume amado vai parar em mãos
destruidoras. Que achaque teria aquele senhor tão zeloso de seus volumes da sua
livraria se visse essa obra-prima? O cuidadoso leitor marcava as páginas mais
interessantes com finíssimas tiras de papel e usava um leve traço lateral para
destacar trechos do texto. Ainda se consegue ver o seu estilo de leitura. Só
que o livro, sem ser uma obra rara para bibliófilo, recebeu as anotações da
sábia cultura de quem do alto dos seus cinco ou seis anos de inteligência
resolveu refazer o conhecimento. Em garatujas dignas de um mestre
pré-histórico, redesenhou todo livro em cores as mais berrantes.
O último inimigo do livro ainda é esse netinho para quem se
dá os livros velhos para brincar. “Isso é coisa velha, deixa que ele brincar.
Quem sabe se torna um Rui Barbosa?” Além de remexer com o esqueleto do avô na
tumba, faz o molecote pensar que tudo se pode fazer no livro. Não é à toa que
muito marmanjo publica coisa de arrepiar talvez iniciado que foi em aproveitar
livro velho para desenhar sua sabedoria.
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